O império dos sentidos. O filme não porno mais conhecido de sempre, numa boca perto de si.

Durante muitos anos “A fisiologia do gosto” de Brillat-Savarin foi considerada como a enciclopédia do sabor. Porém, esta fisiologia, que no limite não será mais do que a filosofia do gosto, pouco ou quase nada estava suportada em fatos científicos. Pelo menos, não se pode dizer que houvesse uma investigação científica específica. Mesmo assim, ele suporta boa parte das suas suposições em conhecimentos científicos adquiridos pelo homem até àquela data. Ou seja, e lá está, filosofia. Que me perdoem, por esta e tantas outras enormidades que digo e escrevo, mas filosofia por filosofia, a filosofia gastronómica dá 15 a 0 à filosofia existencialista, por exemplo. Enquanto uma se preocupa com: quem criou universo? O que é que andamos para aqui a fazer? A outra diz-nos claramente para onde vamos: comer um bife à regional, ou uns chicharros recheados. É curioso reparar que nestas indagações de Brillat, ele chega a uma conclusão que considero deveras interessante: a impossibilidade de se separar o olfato do gosto. Chegando ao extremo de considerar que constituem um único sentido. “A boca é um laboratório e o nariz a chaminé”. É curioso porque na realidade, e à luz do conhecimento que temos hoje, sabemos que o nosso palato consegue descodificar apenas 5 sabores base. O amargo, o ácido, o doce e o salgado, sendo que recentemente (já tem cem anos o recente) provou-se cientificamente a existência de um quinto sabor, o umami, muito presente nos cogumelos, tomate, algas e queijo parmesão. Ou seja, para laboratório, estamos a falar de um laboratório extremamente limitado. Existem milhares de alimentos comestíveis, todos eles com sabores e texturas distintas, mas para as quais o nosso laboratório tem apenas 5 etiquetas. É muito pouco. Daí a importância dos outros sentidos, nomeadamente o olfato. Sabiam que conseguimos memorizar até cerca de 10000 odores diferentes e relacioná-los com comida ou experiências gastronómicas que já vivemos? É por aí que está grande parte do nosso verdadeiro arquivo gastro sensorial. Ferran Adrià usa o Alecrim, num dos seus pratos, apenas para cheirar, pois considera o sabor abrasivo. Já o Heston Blumenthal, um verdadeiro Remy de laboratório, faz uma experiência ainda mais interessante: Confecciona 1 gelado, com sabor a baunilha e canela, e coloca em dois pequenos pulverizadores de aroma baunilha e canela. Agora a parte que me parte todo, quando cheiro a canela, só sinto o sabor a baunilha do gelado, ou quando cheiro a baunilha, só sinto o sabor a canela. Tricky? Sim, tricky. Não tão tricky como a figura do pagamento por conta ou cenas fetichistas com cera quente. Mas mesmo assim, tricky o suficiente para enganar o cérebro humano. Abrirá um linha de lógica, ou estaremos perante uma exceção? Garantia apenas tenho, à data e à luz da minha própria ignorância, é que todos os outros sentidos não só estão presentes na degustação e experiência gastronómica, como têm mais receptores que o palato em si, uma espécie de heliportos sensoriais à espera de serem ativados. Da visão nem falo, pois parece-me óbvio demais, seja pela memória visual, seja pela gula. O toque também me parece acessível e que remeto para um “post”erior com a seguinte lógica: o imenso prazer que dá comer à mão, seja uma coxa de frango, entrecosto, chicharros, ostras, lapas, amêijoas, camarão. E é também o toque que nos permite aferir o estado de maturação dos melões, por exemplo. Sim, LAE tem uma sexualidade gastronómica que pode dar várias vezes a volta ou universo com o mesmo depósito de colesterol. Tudo isto, para acabar na audição, sentido que também tem uma elevada capacidade de memória em disco. Rápida e acessível, é quase impossível não ativar este sentido ao abrir um pão fresco à mão, ou a partir uma perna de um crustáceo. Tem quase tanto poder como a visão, ou seja, podíamos perfeitamente usar a expressão mais ouvidos que barriga, porém, é menos explorado. É claro que o Heston também já fez a experiência de colocar um iPod num búzio com som a mar, para ativar na memória sensações e sabores de comer marisco. Pelos vistos, a única experiência que não se fez foi arrancar a língua e ver como os outros sentidos se safavam por si. Heston, para mim és o Van Gogh da cozinha, vai que é tua campeão.

Comentários

  1. para os interessados, li num artigo que o olfato representa 80% da nossa experiência de sabor/degustativa. Por isso, quando dependemos apenas do palato, porque determinado alimento não tem cheiro ou muito pouco cheiro, fica bastante mais difícil identificar os ingredientes que a compõem. No outro dia, não recorrendo ao olfato comi uma tarte de maracujá como sendo de limão. Por sinal, uma receita do Heston Blumenthal.

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  2. sei bem qual o sentimento pois, como sofro de anósmia, ando a treinar o tacto e a visão como substitutos do olfato. trabalho árduo e com resultados ainda muito pouco visiveis.

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  3. A experiência da tarte demonstra que a apreensão cognitiva e visual daquilo que comemos tem grande influência na percepção do sabor. Esse efeito, o poder de sugestão, é tão forte que acontece mesmo antes de colocarmos à prova as restantes dimensões sensoriais, conclusão análoga à do post anterior.
    Venham mais testes!

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  4. Vocês são é uns grandes sacanas. Com ou sem olfato.

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