L.A.E sempre provou ser incoerente. Desde a primeira linha. Facto consumado. Porém nunca alinhou na loucura de: cozinhas tão bem que qualquer dia abres um restaurante. Ao que cavalheirescamente sempre respondi: abre tu.
Um simpático vai tu, em formato nunca digas nunca, mas mesmo assim, nunca abriria um restaurante. Uma espécie de nunca jogarei no Real Madrid e na semana seguinte lá está o jogador a dar toques na bola, em mangas de camisa em pleno Santiago Bernabéu.
Por isso, vale o que vale, ainda para mais vindo de quem vem. Vá-se lá confiar num parvo de cabelos grisalhos? Numa escala de grisalhos que geram desconfiança L.A.E aparece logo atrás do Sócrates. Sendo que ao fim de semana, posso saltar para o top, uma vez que o nosso Primeiro tem menos tempo de antena e as pessoas esquecem-se dele.
Um restaurante é dos negócios mais complicados que existem. Mais facilmente abria uma casa de meninas. Lucro certo e desconfio que L.A.E se divertiria mais. Nem que fosse a cozinhar para elas. E mesmo que o lucro não fosse certo, queixar-me-ia do quê? Vá, sejamos sinceros.
Isto não belisca em nada a grande paixão que sinto pela cozinha. É preciso marcar esta diferença. Como dizem os brasileiros: boi amarrado também pasta.
Jamais apresentaria uma menina da vida à minha família, mas já o Dourado confitado a 70 graus em Azeite Extra Virgem com infusão de Ervas aromáticas sob cama de cogumelos Shitake e Portobello é um compromisso sério.
A unha pintada de vermelho dá lugar ao shitake salteado na frigideira com manteiga e azeite de trufa. E a salsicha fresca entra na vez daqueles cigarros fininhos. E claro, se me permitirem continuaremos a beber champanhe por um sapato de salto alto. Mas aqui é mais fetiche do que costela de alterne.
L.A.E continuará por isso, atrás do tachos e panelas. E se disseram que esteve por detrás de mais alguma coisa, posso garantir que é pura especulação.
O Bistro tem recebido jantares a um ritmo verdadeiramente alucinante durante este Verão. A ementa que tem tido presença constante de uns pratos que se começam a afirmar, como o peixe fresco da praça (Já fiz com Atum, Lírio, Enxaréu e Dourado), sob tosta com molho de tomate e caldo de frango e soja. Ou o famoso risotto de tomate com salsicha fresca que já foi confeccionado para mais de 50 pessoas.
São jantares caros, porque não há qualquer limitação orçamental. São caros porque só se bebem os melhores vinhos. São caros porque custam 7 a 8 horas de trabalho. E são caros porque são impagáveis.
Mas nenhum homem é uma ilha. Nem mesmo um açoriano parvo como L.A.E. Para já porque 10 dedos das mãos são poucos para tanta potencial queimadura e porque sem ajuda seria quase impossível montar uma refeição de 6/7 pratos para dez pessoas. Só em serviço de pratos estamos a falar de 70.
Graças a Deus todos se oferecem para ajudar, mas daí a querer a ajuda de todos vai a distância entre o excelente Sushi da Casa Velha e a porcaria que tentamos fazer em casa. Obrigado, mas não.
O nível de compromisso não é o mesmo. O conhecimento técnico está no limiar do zero e sejamos honestos, aturar esta autêntica ameixa a matraquear 7 horas nos ouvidos é coisa para uma pessoa muito estúpida, ou então surda. Das duas uma. Ou melhor das três uma. Porque há uma pessoa que é uma verdadeira excepção. Primeiro porque não é estúpida e depois porque também não é surda.
É o meu irmão Daniel. Vamos por partes, que a notícia é capaz de provocar uma onda de choque.
1. Sim, L.A.E tem família.
2. Sim, a família não cortou relações com L.A.E. (Até ver)
3. Sim, L.A.E tem um irmão. (Fruto da pura irresponsabilidade paterna. O meu exemplo não teria chegado para aprender a lição? Pelos vistos não, e ainda bem. Abençoados anos 80.)
4. Sim, o meu irmão ainda não cortou relações comigo. (Até ver)
O Daniel é um rapaz novo, por isso a estupidez devia imperar em larga escala. Reconheçamos. Mas não. É um moço tranquilo, projecto de arquitecto e que partilha, vá se lá saber porquê, com L.A.E uma enorme paixão pela cozinha.
Um moço para uns 80 quilos, que entrou pela primeira vez em casa ao meu colo. Bom timming, porque se fosse hoje ganhava uma hérnia de escala e uma semana de cama no Hospital do Divino Espírito Santo.
Esse metro e oitenta de boa gente é dedicado, empenhado, com boa técnica de faca e domínio de algumas preparações. Não tem medo, ou vergonha de aprender e mesmo de trabalhar.
À primeira vista parece ser pachorrento e sem a energia para aguentar 7 horas na cozinha, pensaria e muito provavelmente diria pior ainda o Gordon Ramsay.
Mas a verdade é que o Daniel é a Turbo Diesel, adivinho que seria capaz de aguentar um turno de 24 horas e a visão do pachorrento transforma-se em pura calma para lidar com a loucura que vai acontecendo na cozinha.
Suamos durante 4 a 5 horas uns dois a três quilos, mas gota de sangue foi coisa que ainda não se verteu. Só algumas lágrimas por queimaduras ligeiras. É preciso não esquecer que lá em casa não existem:
1. Panelas com pegas à prova de calor.
2. Não existem pegas de cozinha. Só panos de cozinha.
É claro que só podia dar merda. Mas é assim em qualquer restaurante, porque haveria de ser diferente neste pequeno reino da macacada?
L.A.E nunca abriria um restaurante na vida, mas se abrisse uma excepção, abria ao meu irmão. Sonho de uma reforma dourada pelo cobre dos tachos, com o Daniel ao meu lado a desenvolvermos ideias, conceitos e jantares memoráveis.
A nossa paciência está no limiar do interminável, a de L.A.E por pura estupidez, a do Daniel porque Deus lhe deu o dom da paciência sem fazer dele uma criatura estúpida. Desígnios de uma vida que não escolhi. Foi a estrada que se foi apresentando pela frente. Coisas de um Deus em dieta ou a cortar nos hidratos de carbono. Vá se lá saber.
Uma coisa garanto, quando vier atrás de nós para lhe cozinhar um jantar divinal para a comemoração do 2020 aniversário, ou para o Bar Mitzvah do mai novo do São Pedro, faço-lhe um manguito e pergunto-lhe onde é que ele estava quando aquela panela com água a ferver caiu por cima das minha mãos? A empurrá-la?


Comentários

  1. Caro Lae
    eu sempre digo , nada como dar a cara...

    dauqela discussão sobre ais , uis e fuleiros o melhor é quando lhe sugiro comrar o livro
    O Connaiseur acidental de Lawrence Osborne ,

    portanto corra para a livraria mais próxima ,

    pois isto sim é importante .

    Dito isto ,abraços ao Daniel o mais novo integrante desta imensa Le Creuset que é isto aqui

    Pedro Botelho

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  2. Olá Pedro,
    Vou já tratar disso. Aqui no meio do Atlântico não é fácil termos acesso a livros menos mainstream. Mas a Amazon resolve. Mais uma vez obrigado pela dica. Se vem do Pedro, é porque é bom.

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  3. LAE,

    Raios. Tinha saudades de escrever por aqui. E acima de tudo de ver escrever. Curioso texto esse. Sabes, eu acredito muito que cada bom chef deve ter dois braços direitos. Um que é do seu corpo e outro que é externo. E pelo que vi o teu irmão é isso.

    Engraçado, mas eu encontrei um sous Chef de um cozinheiro famoso. Fui ter com ele e comprimeitei-o e ainda tirei foto. Ele ficou supreendido e confessou-me que era a primeira vez que tal lhe acontecia. E eu respondi que o segundo homem também conta, e muito.

    Mesmo com Deuses em dieta e reducção de Hidratos de Carbono!

    :)

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  4. Erros. Raios. Dei erros de pressa. Desculpa-me.

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  5. Caro Roh, apesar do pré aviso jamais apagaria o que fosse por erros desses. Venham mais. Concordo com a leitura e gabo-te a audácia. Não fosse o sous chef pensar que estavas no engate. Sabes que o líbido dessa malta da cozinha é terrível. Há uma hora que marcha tudo.
    Força para a tua luta e aproveito para te pedir o tal pdf do Larousse, que aqui a besta de serviço acabou por nem se dar ao trabalho responder à simpática oferta. ;-)
    Entretanto, já encomendei da Amazon o livro que o Pedro fala. Quem me recomendou o Fisiologia do Gosto e o filme Tampopo só pode estar a recomendar outra excelente referência.

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