O nosso casamento podia ter sido tão bonito.





Já levo quase vinte anos como copy e como um copy qualquer já fui casado com vários directores de arte. Mulheres, homens e crianças.
O que me importa e sempre importou são as ideias, conceitos e execuções. E quando somos novos a paixão é tanta que até cega. Aqui a cegueira também consubstancia a ideia de não sabermos aboslutamente nada, como tal não se pode dizer se são bons ou maus casamentos, pois nem sabemos o que é um casamento e o que este implica. Deixamo-nos seduzir pela aparência, pelo que vestem, e os directores de artes são lixados neste aspecto, pelos filmes e pela música que ouvem, superficialidades que hoje sei que pouco ou nada têm a ver com o sucesso do casamento. E é claro que quando as coisas não correm bem vem a recriminação em barda, como em qualquer casamento, ou não é verdade que se o anúncio falha a culpa é do DA? Não, não é. A culpa é dos dois, mas isto só se aprende mais tarde, muito mais tarde. Mais ou menos 10 casamentos mais tarde.
Por esta altura, já não nos detemos com as tais superficialidades, temos os filhos das nossas mulheres e uma catrefada de responsabilidades. E como tal, quando chegas, ao nono divórcio, pensas que se calhar não estás mais para aquilo de fazer anúncios. Errado.
As ideias são como o amor, nunca acabam e nunca te deixam verdadeiramente em paz, e claro também precisas de ganhar uns trocos e apercebes-te que se calhar já é tarde demais para ser mais ou menos bom noutra coisa qualquer. E do nada absoluto, refém de um ganha pão, eis que conheces alguém. Já não te importa se é feio, se é bonito, se tem Mercedes ou se vai a pé. Não queres saber onde vive, com quem dorme ou o que come. Do nada, apercebes-te que nada importa desde que haja um Mac para ele, eu já não preciso destas modernices, basta um lápis e um canto de jornal, ligação à internet, uma secretária e duas cadeiras que até podem ser de pau. Já ouviram falar de amor e uma cabana?
Quado ficas velho, maduro, batido e experimentado percebes que só precisas mesmo de uma cabana, porque o mais importante é o que está dentro daquela cabana, eu, o meu director de arte e as nossas ideias. 
O que eu faço com as palavras, ele faz com as imagens e tipografias. Pensamos e sentimos da mesma forma, só que materializamos as coisas ou em palavras ou em imagens. É bellísimo encontrar aos 42 anos alguém com quem posso conversar, mas conversar de verdade sobre o trabalho, e só sobre o trabalho. Sobre a filosofia das coisas, as simbologias, as representações, as execuções, os conceitos, as tecnicalidades. Hoje discuto uma linha com mais prazer que alguma vez discuti, porque eu entendo o que ele me diz, porque gosto da forma como diz, e porque sei que ouve o que eu digo e que provavelmente também gosta. Juntos estamos a fazer o melhor trabalho da minha vida. 
Ele é lixado comigo porque pura e simplesmente não abdica dos seus valores, e por vezes não estou muito para aí virado, até porque agora estou naquela fase em que eu tenho os meus princípios, mas se não gostarem destes arranjo outros, e aí, aí apetece-me rasgar a camisa e dizer:
- Para a merda!
Mas não digo, porque já não tenho idade para isso. E ainda bem, porque assim que vejo o que faz, seja um rabisco, um layout, um logotipo, tenho a certeza absoluta que o quero mandar para todos os sítios menos para a merda. 
Será o Jaime assim tão bom? Sim, o Jaime é muito bom no que faz, mas não é só isso que torna este casamento feliz. Eu que só sou mais ou menos no que faço, por exemplo, sei disto, um casamento é a dois. Então se só sou mais ou menos que atributo empresto eu esta vida a dois?
Só pode ser a minha velhice. Ficar velho está a fazer-me bem. E eu estou a gostar disso.
Estou nos 40 e está na altura de ir buscar a minha lista telefónica e começar a ligar para todos os meus ex para dizer pura e simplesmente:
- desculpa, o nosso casamento podia ter sido tão bonito.











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