Sei que vender cadáveres de peixe não é necrofilia, mas então é o quê?

















Sou um palhaço que gosta muito pouco de palhaçada, admito-o.
Aliás, convém referir que sou palhaço porque não sei ser outra coisa, o que não quer dizer que goste de o ser.
Como tal, cada vez menos aprecio a palhaçada de comprar peixe no mercado da Graça, vulgo a praça.
Convenhamos e maneira geral o peixe é uma autêntica vergonha. Só não o é lá em casa porque tenho um bom amigo que me diz quando devo comer carne assada. Por isso, tenho-o em elevada estima. Mas não é por isso que comprar peixe na praça deixa de ser uma palhaçada.
Temos dois vendedores. O Mineiro e o Ramiro. Ao fim de semana aparecem mais uns quantos peixeiros. Mas estes são tão pouco ou nada relevantes como aquela equipa de futebol de Santa Comba Dão que subiu à primeira divisão. O que é que isso interessa?
Quanto ao Mineiro confesso que nunca vi um peixeiro que andasse de Hummer. Só isso diz muito sobre quem nos anda a chular, consumidores e pescadores incluídos, com peixe que muitas vezes, principalmente para os compradores de sábado, são de segunda-feira e sem qualquer vergonha na cara. Eu também não a teria se tivesse um Hummer para pagar. Mas atenção, o Mineiro arranja muito bom peixe. Mas só para quem ele quer e ele acha que merece. Às vezes mereço, às vezes não mereço, deve depender dos meses em que  faz a mudança do óleo e do filtro ou das revisões do Hummer.
Depois há o Ramiro. O Ramiro é um pobre coitado. O Ramiro não anda de Hummer, nem sei se andará de Renault 5 de 1979. Parece que é daquilo que ele vive e não deve sobrar muito entre o que tem que pagar à lota pelo peixe e aluguer do seu espaço.
O problema do Ramiro é ser parvo. O Mineiro engana para fazer dinheiro e pelo gozo de meter os sabadeiros da praça a comerem peixe mortificado e ainda se regozijarem no fim com a frescura do cadáver que acabaram de degustar. Como eu o compreendo. Já o Ramiro é parvo porque só o faz pelo gozo de meter os sabadeiros da praça a comerem peixe mortificado e ainda se regozijarem no fim com a frescura do cadáver que acabaram de degustar. Isso, e enganar idiotas como eu durante a semana. É comportamental, dá-lhe gozo fazer isso. Gozar, vender gato por lebre, enfim, um circo.
Mas a merda que a praça se transformou para comprar peixe não acaba aqui.
Há uma linguagem que se estabelece entre os peixeiros. E o tom é sempre o mesmo gozação, sarcasmo, ironia e outras merdas do género. Convenhamos, sei que para se comer peixe fresco em qualquer lado do mundo temos que passar este tipo de provação, milhares de vezes. Até aí vivo bem, sou só mais um palhaço no meio de palhaços.
O problema é que ninguém acha graça a um palhaço que não faz rir. Certo?
E estes palhaços nem fazem rir, nem amanham bem o peixe. 
É muita gabarolice, é muita mania, muita ginga e pouco peixe. Técnicas tão básicas como filetar ou mesmo escamar fazem-no ao nível de um palhaço estagiário que acabou de entrar no Chapitô para aprender o ofício. São uma autêntica vergonha.
Se fossem mais humildes, até se aceitava. Agora o peixe, no estado em que o levo para casa, arranjado pelo melhor palhaço do mundo não deveria ser o peixe mais bem amanhado do mundo?
Falta humildade, falta técnica, falta vontade de evoluir e crescer e sobra gozo, ironia e mania.

Meus caros e congéneres palhaços uma rapariga qualquer, que nem era peixeira, num supermercado qualquer do Pico, com uma faca de pão amanhou melhor o peixe do que alguma vez me tivesse sido amanhado no vosso pequeno circo. E com esta fazem-me finalmente rir. Ao menos isso.

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