Sim, é um Festival de Verão, mas não entram delícias do mar ou atum em lata.

(Senhores e Senhoras, e agora o precioso contributo e visão do Paulo Pacheco sobre o 5º Jantar do 10 Fest. Aos Abrigos)

É óbvio que eu não sei escrever como o habitual indígena deste espaço, provavelmente nem ler, saberei como ele. Mas já que ele insistiu, fiz um esforço para descrever uma das refeições da minha vida. O cenário estava montado... um chef desconhecido e que nem sequer tem um restaurante. Ainda por cima, Dinamarquês. Ou seja, o cenário estava montado, é certo, mas não para o que viria a seguir. Confesso que estava mais preocupado com a harmonização dos pratos com os vinhos.
No entanto, comecei a levantar uma sobrancelha de admiração quando pude observar muito de raspão os pratos que iriam ser servidos mais tarde. “Aquilo” parecia-me muito bem… muito bonito, mas um bonito de como quem sabe o que faz. Os ingredientes não estavam dispostos ao acaso. Os “jardins” de alguns pratos tinham…. propósito, contavam uma história. Fiquei então um pouco mais atento, e o 5º jantar do 10 FEST começou: Chicharro salteado com pó de azeite, clorofila e chá verde da Gorreana. Só pela descrição fico logo desconfiado. Mas vejam a foto.
Nada está lá por acaso, e o peixe, fresquíssimo, está no ponto – ou seja quase cru, bem firme. Os pós (azeite e um crumble que não consegui identificar) dão complexidade e profundidade ao chá e à clorofila – género de esparregado. O prato sabe a verde. Verde vivo, verde leve, verde, verde, verde, vários verdes. A que sabe o verde? Começo a arrepiar-me e lembro-me que aquele prato poderia chamar-se simplesmente “ilha de S. Miguel”. Ou “Ilha Verde”! O pó de azeite vai escorregando para o chá, tornando-se novamente naquilo que é - azeite. E o prato começa a mudar com os verdes a serem mais luxuriantes. Porra que caraças!! (ouvi dizer que neste estabelecimento este tipo de exclamação é… normal). As ligações não são as usuais e o que vemos, não é o que estamos à espera. Começamos todos a arregalar os olhos. Estávamos todos a levar uma chapada de luva branca, do tal chef que ninguém ouviu falar. Foi, para muitos, o melhor prato da noite.
Passamos ao salmonete, que é peixe que não sei porque, embirro um bocadinho, mas estava reservada uma grande surpresa novamente. Ainda por cima o prato vem com duas rodelas de “verde” e nós já á espera de mais um sabor verde, mas que seria de certeza um “overload” do mesmo. Eram o que os nossos olhos nos transmitiam ainda por cima no dizer da ementa haveria baunilha algures… que medo!
E eis que provo um salmonete com um toque leve de forno, mas frio. O peixe está frio, mas agora entra uma compota de ananás com salsa e acidez q.b. morna. BUM mais uma pancada. Não estava nada á espera disso a ligação mais uma vez é surpreendente e mais uma vez, nunca tinha experimentado nada parecido. Será que tínhamos um chef atrevido? Estava este chef vindo de um pais “esquisito” a dizer-nos: Experimentem! Inovem! Estava este gajo a dizer-me que podia usar os mesmos ingredientes de sempre mas com combinações diferentes? Podem crer que estava! Não sei se teve sorte ou se foi inspiração de momento. Mas a coisa começava a correr de forma maravilhosa, e por essa altura já nos começamos a render. Mas veio a barriga de porco. Porque raio estes chefs estão tão fixados no porco?
É mesmo isso que os Açores lhes inspiram? Bolas, até o grande Paulo Morais conhecido pelos seus sabores suaves se aventurou com um prato de porco, mas adiante. Veio a barriga devidamente confitada e corada e ... passada demais. Do outro lado da mesa em vez de carne havia só gordura. Mas se a carne passada demais não tem desculpa, as ligações com cebolas de várias maneiras foram do caraças. Melhor, vieram os chefs á mesa colocar o molho. Um molho divinal com pequenos croutons de massa sovada com esferificações de vinagrete. Um molho muito sedutor, tanto que até fiquei a olhar com carinho para o pedaço de carne que não comi. Afinal ele estava em excelente companhia. O prato como um todo não funcionou na perfeição, mas percebeu-se a ideia.
Até agora as harmonizações entre vinho e comida estiveram perfeitas sendo que nenhum dos vinhos se sobrepôs aos pratos ou vice-versa, deixando a ambos liberdade de expressão. Mas neste prato o vinho foi claramente superior, o que provavelmente salvou a experiência. Um Herdade S. Miguel 100% Alicante Bouchet com muita concentração de cor e notas de muita fruta madura. De seguida começo a ver ser servido um prato com o que me parece uma batata cozida em cima de … terra. Mau, começo a pensar, que o “dinamarquês “ afinal vai se fazer sentir e ele nos vai servir uma treta de uma batata!? Recorro á ementa e encontro lombo de vitela. Mas? Eis então, que nos é revelado um naco de lombo que foi à chapa muito bem temperado mas envolvido em… lombo outra vez, que foi triturado temperado, cozido em pochê (envolto em plástico) e acabado no forno. Muito bom. Mas há mais, o “solo” é morcela que foi despida da tripa, frita e seca no forno – pó de morcela. E pó de batata doce. Caraças!! Mais uma vez os nossos ingredientes comuns que através de técnicas modernas, me arrebataram! O prato funcionou às mil maravilhas e ficaram quase todos de cara á banda com o que se conseguia fazer com os nossos produtos. Não basta ter os ingredientes de excelência que todos gostamos de dizer que os Açores têm. É preciso saber o que fazer com eles, e estar actualizado. Para sobremesa um naco de queijo de S. Jorge com granizado de ananás e um pedaço de meloa com queijo às raspas. As texturas eram similares, e a dualidade de fresco/quente também. Ambas funcionaram lindamente principalmente quando juntas a um terceiro elemento como o gástrico de Herdade S. Miguel Passi. Este é o vinho que acompanhou a sobremesa, é alentejano e é feito com uvas que já estão passas. As percas de liquido são da ordem dos 70% resultando num vinho com alto teor de açúcar residual, muito muito bom! Quase parece Vinho do Porto foi o que mais se ouviu.
Segunda sobremesa. A complexidade dos seus ingredientes só é comparável á facilidade com que devoramos o prato. Apesar da refeição ir longa, vi muitos convivas a literalmente raparem o prato. Reparem no pormenor do empratamento.
Um jantar memorável e ou muito me engano ou daqui a alguns anos vamos poder dizer com muito orgulho que o chef Nicolai Mentzler deu uma vez um jantar nos Açores. Parabéns a todos os envolvidos.

Comentários

  1. Não pude ir a este, mas pelo que o Paulo descreve confirma-se: sou um grande banana.
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