E ao terceiro jantar do 10 Fest comecei a usar determinada parte da loiça das caldas como adjectivo.


É deveras engraçado recebermos Chef’s premiados e reconhecidos que cozinham com ingredientes locais. Por outro lado, também acho muita graça quando Chef’s de cá, com um profundo conhecimento da nossa cultura e gastronomia preparam uma refeição.
Foi o que aconteceu no dia dos Açores no 10 Fest. Mais do que uma certa arbitrariedade, que às vezes corre muito bem, na utilização de alguns ingredientes regionais, um Chef açoriano consegue ir mais longe. Para além de muito habituado a trabalhar com os ingredientes, percebe os conceitos por detrás dos pratos e como tal consegue ir mais longe nas ideias que apresenta no prato. Senti isso logo na ementa, a do dia dos Açores quase que contava uma história, a minha. A de todos os açorianos que ali estavam. Já a ementa de um chef de fora acaba por ser, muitas vezes, uma manta de retalhos conceptuais. Há sempre um nível alto de aleatoriedade. Ás vezes funciona muito bem, outras nem por isso.
Fazer o jantar do Açores no 10 Fest é por isso um acto de coragem. Adoro jogar ténis, mas se me dissessem que ia bater bolas com o Federer, creio que fazia xixi pelas pernas abaixo como uma criança de dois anos. Como tal, imagino a ansiedade lancinante de todos. Do aluno que descascou batatas ao director da escola.
Agora que já passou e que o ritmo cardíaco de todos já deve ter voltado ao normal posso avançar que foi um orgulho como açoriano estar presente neste jantar dos Açores do 10 Fest.
Quando a maior crítica que tenho a fazer se prende com o tempo de serviço entre pratos, logo se percebe o quão elevado é este orgulho.
Conceptualmente a ementa estava um mimo.
Vou destacar apenas o que mais gostei, e o que menos gostei.
A suposta receita de chicharros da bisavó do Hugo Ferreira é para mim um prato com entrada directa para o número 1 como prato representativo da nova gastronomia açoriana. E falo em suposta receita, porque o Hugo me disse que a avó estaria a dar voltas na campa. Para mim, só podia estar a dar voltas de alegria e felicidade, por ver o seu bisneto levar ainda mais longe, com elegância e requinte, a sua receita.
Uma viagem por sabores até certo ponto bem reconhecíveis, mas quase irreconhecíveis na sua apresentação e conjugação. Não tenho dúvidas. Este prato devia fazer parte do menu da escola e os turistas deviam ser obrigados a ir à escola comê-lo. Em Itália não se pode entrar nas igrejas de calções. Ora bem, dos Açores não se pode sair sem um recibo carimbado pela Escola em como se comeu este bendito prato.
Curta, para mim, ficou a reinvenção do bife à regional. A Carne estava saborosa, o conceito do pobre e do rico, muito giro, com a introdução da mão de vaca. Mas depois ficava por aí. Um bocado de carne, um tanto ou quanto amorfo e pouco desafiante, com umas pinceladas de alho e pimenta da terra. Comia este prato num restaurante? Claro. Gosto de bife à regional. Mas também sei que não passa disso.
Para fechar, a chave de ouro. Leite creme de queijo de São Jorge com gelado de banana.
É aqui que a lógica e o raciocínio sem perdem nas emoções. As minhas como se manifestam de forma bruta e boçal só se traduzem bem desta forma: do caralho!
Fui desafiado, fiquei intrigado e maravilhado. Que a Escola faz em excelente leite creme, já sabia. Que a Escola nos podia levar ao céu e voltar com um conceito tão tradicional como queijo com banana não sabia e pelos vistos não fazia a mínima ideia.

Fica o enorme orgulho deste banana.

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