A Revolta dos Inhames


Esta é uma história sobre ganância. Todas as características humanas são aceitáveis quando usadas na dose certa. Tal como o tempero de um prato, onde por exemplo o vinagre pode ter um papel fulcral, quase mágico, se usado na dose certa. Se passar desta ponto de euqilibrio, é um protagonista indesejado. Se for a menos, nem ao papel de figurante tem direito.
São Jorge, no princípio do século XVII foi introduzida a cultura do inhame, que se julga ter vindo do oriente. Rapidamente se torna num produto muito apreciado, pois o seu ciclo de produção é pouco trabalhoso e dá-se muito bem com o nosso clima. Para além do mais era um produto agrícola que não estava sujeito ao pagamento de impostos. Portanto, a sua utilização, por parte das pessoas mais necessitadas, era vista como uma dádiva. Mas não podemos esquecer de uma coisa muito importante. Vivemos num país decadente, corrupto e preguiçoso, onde normalmente os pobres pagam os luxos e os erros estratégicos das classes mais altas. Pode parecer que estou a falar do século XXI, mas na verdade estou a falar do século XVII, sendo que datas à parte sempre foi assim neste país. E provavelmente será. Está intrissecamente ligado à nossa cultura de desigualdade. São sempre os mesmos a fazerem merda, e são sempre os mesmos que a vão lá limpar.
Neste caso, a culpa, supostamente, foi da Guerra da Restauração (1640-1668). Os impostos não conseguiam gerar receitas suficientes para pagar as despesas da guerra. Como tal, foi preciso aumentar a receita fiscal. (Sim, continuo a falar do século XVII). Criou-se, então, o dízimo das miunças e ervagens. No qual se incluía, entre outros produtos não sujeitos a impostos, a erva para o gado e os inhames.
A indignação foi generalizada. Mas os tempos eram outros e o povo estava menos corrompido seja pelo consumo, fosse pela ambição desmesurada. Havia uma participação mais activa na vida e na sociedade. E como tal, foram muitos que os não pagaram. 
E a coisa foi fervendo em lume brando, até que o governo português, resolveu apertar ainda mais o cerco, solicitando às autoridades o pagamento coersivo do dízimo. Sendo que o transporte do inhame seria da responsabilidade do produtor, ao contrário do milho e do vinho, por exemplo.
É preciso relembrar que o inhame era plantado nas fajãs, como tal o seu transporte era uma operação extremamente complicada, morosa, até perigosa e dispendiosa. Pagar um dízimo em cima disto era uma profunda injustiça.
Mais coisa, menos coisa, foi assim que começou a famosa Revolta dos Inhames, uma das páginas mais bonitas da história bélica ò gastronómica da Ilha de São Jorge. Com epicentros na Calheta e no Topo, os mais revoltosos.

Várias pessoas foram presas, muitas outras andaram fugidas. Foi uma demonstração de força, de indignação e revolta popular. A determinado ponto pensou-se que o governo português abandonasse a ideia. Pura ilusão. Diz-se paga o justo pela pecador e não paga o pecador pelo justo. Como tal, lá os impostos foram pagos coersivamente, muitas famílias viram-se arruinadas, em nome da Guerra da Restauração, que não foi, nem mais, nem menos que o assinalar do início do declínio de Portugal. Aqui começou-se a cavar um poço, que aparentemente não tem fim. Pelo menos já passaram quase 4 séculos e o buraco está cada vez mais fundo. A grande diferença é mesmo essa. O buraco é tão fundo, que a receita fiscal conseguida através dos pobres dos inhames não serve, hoje, para equilibrar que finanças sejam. Serve apenas para acompanhar uma linguiça frita com pimenta da terra. Está assim o inhame entregue ao povo. E o país, inabalavelmente entregue aos credores. 

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