Gemelli fecha restaurante. Próximo.

A minha relação com o Gemelli foi curta e não deixou uma memória muito positiva. Talvez porque eu seja um arrogantezinho de merda, e ele uma pessoa muito confiante. A modéstia inibe-me de o rotular como arrogante, porque feitas as contas não o conheço. A Galeria deve ter sido dos primeiros restaurantes sérios que fui com um grupo da amigos, sem estar debaixo da saia da mamã, ou do teto do papá. Teria sido importante para o meu desenvolvimento enquanto adulto ficar bem no retrato. Ao invés, fui uma tanto ou quanto amassado, resultando neste pseudo adulto que agora vos escreve. Tudo por causa de um bife tártaro. Hoje sei mais algumas coisas do que sabia na altura, mas porra, já sabia o que era um bife tártaro. Mas o Augusto fez questão de vincar a minha ignorância, explicando pormenorizadamente, e em alto e bom som, o que era um tártaro, não fosse eu pedir para passar melhor bife. Como é óbvio, ou não fosse eu o tal arrogantezinho de merda fiquei espicaçado, sendo que até hoje foi ali o único sítio em que vi um bife tártaro como uma entrada. Pois, sempre o vi como prato principal. Mas toda a gente sabe que é uma entrada, foi como o Gemelli me fez sentir nesse dia, só tu, meu ignorantezinho de merda é que não saberás. Encerrado o ato 1, pedi um peixe ao vapor. Azar dos azares, fui descobrir nesse prato um elemento que também ignorava fazer parte da apresentação: película aderente.
Não perdi tempo e perguntei de rajada se fazia ou não parte do prato.
E pronto, foi assim a nossa rápida relação, onde tanto amor e lágrimas se acabaram por não perder.
Pronto, vamos aos fatos. O Gemelli é um dos grandes interpretes e protagonistas da nova gastronomia portuguesa. Diria que está num Top 10. Se não cabe no Top 10, cabe no 15.
Mas Gemelli tem mais qualidades. É sério, tem brio, tem sentido de ética e tem ideias. Apesar de nunca mais ter voltado ao seu restaurante, não foi premeditado. Aconteceu. Tive outras prioridades. Não foi como a Quinta dos Frades, que soube mal passei pela porta de entrada, que só iria passar por ela mais uma vez na vida, para sair.
Por isso, é com enorme tristeza que recebi a notícia do encerramento do Gemelli. 
Não é mais que o espelho da crise que o país atravessa. Principalmente uma crise de valores. Caso ainda não se tenha percebido, a restauração está na moda. E nas modas existem sempre muitos oportunistas. De uma lado temos os Baenas, os Avillez, os Gemelli e do outro temos os filhos do Michel, tens os Chakais, etc. A falta de uma verdadeira cultura gastronómica, faz com que a moda dos chef’s se resuma mais a comunicação do que comida. Um chef que apareça muito, que tenha um espaço bonito, numa zona in de Lisboa, pode não saber estrelar um ovo, mas vai ter muito mais sucesso que o Gemelli e o Baena, que acabaram de fechar os seus restaurantes. A Quinta dos Frades não está aberta? Os Oliviers não continuam abertos, mesmo que seja com outro nome? Então está tudo dito.

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