Pode ser o fim da picada, mas não é o fim do bife picado.

E aqui termina a narrativa, pelo menos programada, da minha aventura americana. Escrevo programada porque gostava de me despedir com um hambúrguer. Se existe a lógica da batata, de certeza que existirá a filosofia do hambúrguer. A Grécia deu-nos Platão e Sócrates e a América retribuiu oferecendo-nos o bife picado, batatas fritas e ketchup. A julgar pelo contributo de ambas para a humanidade, detenho-me sobre o fato que até seria capaz de comer dois ou três bons hambúrgueres por semana, já quando ler duas ou três páginas de Platão não passaria de uma grande chatice. Por isso, nem quero imaginar o que seria a humanidade hoje se já existissem hambúrgueres no tempo de Platão. Como tal, julgo perfeitamente normal que exista um hambúrguer com uma estrela Michelin, mais precisamente na Minetta Tavern, em Nova York. Para mim, que sempre adorei comer ao balcão, este espaço que tem algo de burlesco e faz lembrar Paris do início do século, é tão simplesmente acolhedor como um bom bordel. Uma segunda casa imediata. Comi o melhor e mais recomendado hambúrguer da lista, feito com uma mistura secreta de carnes que é denominada como Black Label. Por 26 dólares não esperaria menos que qualquer coisa que fosse de Black Label para cima. Como a escrita deste blog é um exercício de não hipocrisia, e contrário ao que pensava antes de comer, este não foi o melhor hambúrguer da minha vida. Sou rapaz de médio mal, depois de ter sido muitos anos rapaz de mal passado. Um dia, levei o meu tempo pois sempre fui para o lento, percebi que se quisesse um bife tártaro, pedia um bife tártaro. E que só a textura do médio mal me permitia apreciar um bife, a sua carne e os seus sucos, quando bem feito, claro. O problema do Minetta foi esse, o hambúrguer era tão alto que o centro era um tártaro. E logo que naquele dia que não queria um tártaro. Ao dizer ao empregado, ironicamente, que gostava muito daquela dupla de bife picado e bife tártaro, ele foi de uma assertividade gigante a defender que aquele era o médio mal deles, o que quase me lançou numa grande dúvida existencial, quase tão grande como o para onde vamos? Nada que um absinto, preparado à séria não tenha resolvido. Mas mesmo colocando a técnica de parte, a verdade é que nem eu, nem a minha companhia naquele dia morremos de amores pelo hambúrguer. Era muito bom? Era. Mas o do Burguer Joint, no Hotel Le Parker Meridien, não é inferior, não custa 26 dólares, custa uns 7 e os empregados não são tão cheios de si. Basicamente abrem a boca para chamar pelo teu nome e pouco mais. É curioso verificar que o Burguer Joint fica dentro de um Hotel 5 estrelas. E é mesmo um joint, porco, escuro, sujo, com mesas corridas, sem marcação de lugares. É um salve-se quem puder entre esperar pela vez de pedir, e arranjar um metro quadrado para comer o delicioso hambúrguer. Foi o único que repeti, isso já diz muito. Diferenças? Muitas. Adorei o ambiente do Minetta, as batatas fritas caseiras são divinais e a carne muito boa, o bife picado bom. Já o Burguer joint, é um canto enfermo, o pão nada de especial, as batatas congeladas, mas o hambúrguer, bom o hambúrguer tem um sabor extraordinário. Como nunca provei. O melhor hambúrguer da minha vida ainda está por vir, mas se ficar com o pão, batatas e ambiente do Minetta e a carne do Burguer Joint devo lá estar perto.

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