Se Deus é brasileiro, o Chef do 4º melhor restaurante do mundo ou é Deus, ou é brasileiro, ou é as duas.

Seja o que for, Alex Atala, vindo do país do futebol, da bunda, das caipirinhas, da bossa nova e do pobre rodízio, parecia estar condenado ao insucesso num país onde a cultura gastronómica será das menos ricas, comparativamente a todas as outras áreas sócio culturais. Mas não, o restaurante de Alex Atala, o D.O.M em São Paulo é considerado o 4º melhor restaurante do mundo, e o melhor da América Latina. E só não tem estrelas Michelin, segundo o que percebi, porque me parece que o guia não passa do canal do Panamá para baixo. Que não me levem a mal os meus amigos brasileiros, pois eu também nunca guardei rancor da visão redutora do meu país com sendo velhas de bigode, vestidas de preto e que dizem muitas vezes: fogo! E: pá! E: Fogo pá! Mas o Brasil é um país de 180 milhões pés de chinelo, que come tão mal ou pior que qualquer português. Incultos e tesos como nós, logo percebemos que o conceito de país irmão talvez não nos una o suficiente. Mas é também um país de elites. Sendo as elites avaliadas não pela sua nacionalidade, mas sim pela sua conta bancária, diria que no Brasil existe dinheiro suficiente para montar um pequeno Luxemburgo de restaurantes de topo. Ao que sei existem propostas muito boas, que acabam por se diluir na distância e num certo ego centralismo europeu. Creio que o Brasil ainda não representará para a economia gastronómica europeia o suficiente para ser um mercado, e como tal receber camiões de estrelas como foi o caso do Japão. Outra reflexão é a seguinte: existirá gastronomia brasileira? Existirá sim, no sentido em que cá nós temos o cozido, o leitão e um sistema solar à volta de receitas de bacalhau. Mas existirá uma verdadeira alta gastronomia brasileira? Bom, portuguesa, sei que tem havido alguns esforços, estando na linha de frente o Avillez e Aimé. No Brasil, pelos vistos Alex Atala leva a jaleca amarela. O seu percurso começou na Bélgica, este país com renomado prestígio gastronómico. Ao ter comido, para aí, pela vigésima primeira vez mexilhões com batatas fritas deve ter pensado que ou arranjava um trabalho como euro deputado ou se lançava para o Hotel de la Cote D’Or com o Chef Bernard Loiseau. É aqui que mais uma vez paro e me detenho sobre a árvore genealógica dos grandes Chef’s de cozinha. Todos passaram pelas mesmas cozinhas, pelos mesmos Chef’s e sinceramente é só aí acredito que se aprenda. Os resultados, as estrelas, as recomendações, os prémios, o reconhecimento são meus advogados de defesa. Quando regressou ao Brasil, em 1994 foi um êxito instantâneo, até abrir o D.O.M em 1999, num trabalho que junta o melhor da técnica europeia, com os surpreendentes ingredientes sul americanos. E repare-se que quando estou a falar de surpreendentes, manga, coco, ou outros ingredientes sul americanos europeizados não entram na lista. Falo, por exemplo, da Priprioca, uma raíz que se encontra na amazónia e que é muito utilizada pela indústria dos cosméticos. Alex, foi além disso e deu-lhe uma aplicação que ultrapassa o aroma. É uma forma de estar muito semelhante a René Redzepi: ir literalmente às raízes da cultura e gastronomia. É um prazer ouvir alguém a comunicar em português a passar-nos todo o seu entusiasmo e ideias. Se Pedro Álvares Cabral soubesse disso tinha descoberto o Brasil na Trafaria, que fica muito mais à mão do que ir a São Paulo.

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