Vale a pena morrer por uma estrela Michelin? Sim e não e talvez.

No outro dia, ao ler uma série de artigos por causa do post sobre o Guia Michelin, lembrei-me que é quase tão ingrato trabalhar para as estrelas, como fazer molho holandês pela primeira vez. A minha pobre alma é incapaz de não se comover com a história de Bernard Loiseau, responsável pelo ressurgimento do La Côte d´Or. Contratado em 1975, comprou o negócio em 1982, para completar o triatlo Michelinesco em 1991. Sendo que tinha um impecável, e impar, 19 em 20 no Gault Millau. Marcou a tendência por se afastar um pouco da raiz tradicional francesa, sendo um dos promotores da tão famosa Nouvelle Cuisine. Porém moda, é moda. Não queria tirar ninguém dos seu preparos, mas podem parar de chamar Nouvelle Cuisine a todas as merdas que não sabem catalogar? Com o surgimento da tendência para a fusão com cozinhas orientais, Loiseau perdeu um pouco o pé, porque a mão continuava firme à volta dos tachos. No entanto, e sem misericórdia, ou qualquer outro molho frio o Guia Gault Millau despromove-o dos 19/20 para os 17/20. Isto a juntar a problemas financeiros, à escala dos que devem afetar hoje Gordon Ramsay, fizeram-no segredar a um colega: Se perder uma estrela Michelin, mato-me. Mas não foi preciso perder a estrela, bastaram os rumores. Uma vida inteira dedicada à excelência, merecia pelo menos ir com uma ataque fulminante de colesterol ou coisa do género. (Vejam o filme a Grande Farra, já que é de mortes a comer que estamos a falar.) Um claro exagero? Óbvio que sim. Ele não usava manteiga suficiente para ter sequer a expectativa de quinar por essa via. Mas exagero, é, também, alguém matar-se por causa de uma estrela. Veja-se que ele morreu por aquilo que muitos restaurantes de Tóquio recusaram em 2008, quando o Guia Michelin concluiu que o Japão era um mercado atrativo demais para não ter uma edição exclusiva. O fato de ter-se aliado a alguns reconhecidos Chef’s japoneses, para ajudar a moldar o modelo de avaliação para uma cultura que é totalmente dispare da francesa, não retirou polémica à primeira edição. Se por um lado o Guia Michelin de Tóquio veio reconhecer alguns Chef’s que estavam completamente reféns do ultra conservadorismo japonês, como o Shuzo Kishida, do Quintessence. Outros, como Kunio Tokuoka do Kitcho, pediu para lhe desampararem a loja, uma vez que não entendiam nada de cozinha Japonesa para o avaliar. Ele e muitos outros. Mas mais intrigantes são as 3 estrelas do Sukiyabashi Jiro, uma espécie de closet, numa cave de um edifício de escritórios. Nem casa de banho tem. Repare-se que se os critérios não são só a comida, e é também o ambiente e serviço, quantas estrelas Michelin tem de fato? 5 que acabam em 3 porque não tem casa de banho, ou tem 3 porque comida, ambiente e serviço são sublimes? Não duvido que o Sushi seja maravilhoso. Tem que ser, bolas. (Filme Jiro Dreams of Sushi.) Mas tudo acaba bem, quando acaba bem. E quando se vende no primeiro ano o dobro de guias Michelin do que em Nova York, sabemos que esta incoerente história acaba muito bem, com 250000 exemplares de incritérios vendidos. Só não acaba bem para Loiseau que teria visto o seu restaurante com 3 estrelas Michelin até 2007, mas que no fundo até serão para sempre eternizadas no filme Ratatouille.

Comentários

  1. Um artigo paralelo, antigo, mas muito interessante também.

    http://www.nytimes.com/2006/07/13/business/worldbusiness/13scene.html?_r=1&fta=y

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  2. pobre Bernard Loiseau, tinha (hélas) alma de Vatel. sobre as estrelas nipónicas, o guia michelin, pelos vistos, usa de dois sets de regras para cada uma das grandes cozinhas-base. (sheila)

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  3. Com dois pesos e duas medidas fica quase impossível fazer uma sobremesa sequer. Quanto mais uma estrela.
    ;)

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