Nos Açores quando se diz: que grande abrótea saíste-me tu, não é uma coisa boa.


E não é que haja qualquer paralelo entre a abrótea em si, que é um peixe tão banal no mar dos Açores, com o fato de uma pessoa ser muito parva, ou tótó. É só uma parvoíce com raiz popular.
Mas não será só com a utilização da palavra abrótea para descrever um tipo para o estúpido que um continental pode não estar familiarizado. A utilização regular da abrótea na alimentação dos açorianos será também um surpresa.
A abrótea é um peixe que aparece quase todo o ano. Por isso, é tão banal  chegar à praça e encontrar uma abrótea, como encontrar veludo vermelho num bordel.
Mais uma vez, que sorte ter nascido nesta terra, a quem Deus em vez de dar pescada, nos deu abrótea, atum, entre muitos outros peixes com características maravilhosas. Daí uma pequena nota sobre a abrótea, não vá Deus arrepender-se.
- Parem de fazer filetes de abrótea, suas abróteas!
Agora que isto já está fora do meu sistema, as explicações possíveis, pois nunca serão as ideais para quem come filetes há tanto tempo. Aliás, eu já comi e muito provavelmente vou voltar a comer filetes de abrótea. E fazer-se, de forma tão generalizada, nos Açores filetes de abrótea deve ter a ver exatamente com o fato de existir em abundância. O problema é o seguinte, a abrótea é um peixe tão delicado, tão elegante, tão subtil que não se presta a esta técnica de confeção. Diria que no meu top de subtileza estará à frente do salmonete. Então porquê cometer esta atrocidade? A força e robustez do frito apaga por completo o tal sabor subtil da abrótea. No meu entender, está tão errado como dar sopas de cavalo cansado a uma criança de 4 anos. E se aos 5 anos e por aí diante continua a ser errado dar sopas de cavalo cansado, é porque também continua a ser errado fazer filetes de abrótea. É tão simples quanto isso.
Uns bons filetes pedem um peixe robusto, carnudo como o bacalhau fresco. Por isso, é que os ingleses o fazem há mais de 150 anos. Mesmo não sendo um peixe unânime, pois também usam o “haddock”, que curiosamente é da família do bacalhau. É um peixe que resiste ao frito, como um bom bombeiro resiste a um incêndio. Está preparado para o efeito. Já a pobre da abrótea morre por inalação de fumo, ainda antes de entrar na casa em chamas.
Para se tirar partido deste elegante peixe de sabor subtil, para mim, só há uma forma: ao vapor. Se cozer, a água vai roubar parte do sabor, pese embora não seja mau, atenção. Mas ao vapor, não perde quase nada no processo de confeção.
Foi assim que fizemos lá em casa ontem, numa refeição em que todos os elementos eram fresquíssimos, menos a ervilha congelada. Note-se, porém, que era uma ervilha congelada, no máximo 2 horas e 30 minutos depois de ser apanhada. Que ervilha fresca chega à nossa mesa 2 horas e 30 minutos se o nosso Pai não for produtor de ervilhas?
Batata aos cubos, cenoura aos cubos, ervilhas (Não as cozo, derramo apenas um pouco de água a ferver), peixe cozido ao vapor, do qual retiro as espinhas. Endro, Salsa, azeite, limão e ovo cozido picado. Misturar tudo com a delicadeza que um cavalheiro deve beijar a mão de uma abrótea, que até pode ser parva, mas que pelo menos seja gira. Integridade de sabores, frescura de ingredientes. A mais nova adorou, sem complexos ou preconceitos. 
Quando crescer pode vir a tornar-se na maior criminosa de sempre. Mas há um crime que nunca vai cometer ou ser acusada: Fazer filetes de abrótea.



Comentários

  1. Caro Anton ,
    Andava sumido deste brilhante espaço pelas mais diversas razões , que não vem ao caso contar , aqui e agora ,pois são histórias longas e entendiantes ...como a maioria das histórias que se passam abaixo da linha do equador .
    Mas , sempre tem um mas , neste meu retorno, encontro uma brilhante discussão sobre sushis , então resolvi meter o dedo na discussão e contribuir com uma modestíssima contribuição . http://youtu.be/R2L5IrkQTV0 , Jiro Dreams of Shushi ,
    apenas o mestre dos mestres quando o assunto é sushi
    e assim desta forma me tens de regresso ...
    um abraço tropical
    Pedro Botelho.

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  2. Caro Pedro,
    Saudades de o ver por estas paragens. Por acaso, escrevi sobre filme, e entretanto estive em Nova York onde experimentei um sushi do mesmo estilo. Memorável. http://luisantonego.blogspot.pt/2012/11/todays-special-trust-me.html
    Bom, uma coisa é garantida, aqui nos Açores peixe não falta para fazer um sushi deste nível.
    Abraço atlântico

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