Se Rossini tivesse inventado este tournedó, provavelmente o Barbeiro de Sevilha não seria mais do que o Barbeiro de São Pedro

Estava há muito tempo para por a cabeça no prego. Principalmente, porque ouço ecos de ser um excelente restaurante, talvez dos melhores de Ponta Delgada. Normalmente, essa coisa de ouvir ecos e vozes do além dá internamento na ala de psiquiatria. Era para onde eu devia ter ido ontem, em vez de ir a este afamado restaurante. Confesso que o serviço foi bom. Aliás, muito melhor do que estava à espera e muito melhor que a maioria dos restaurantes em Ponta Delgada. Pronto, e a partir daqui é sempre a descer até bater no fundo do poço. Como não quero ser muito explícito, nem declarado, posso dizer que o prato que me serviram não corresponde ao prato que pretendem vender. O clássico e original é tão simples com isso: Pão frito, foie gras marcado na frigideira, trufas e bife frito. Tudo em manteiga clarificada. Finaliza com Madeira, que “desprega” a frigideira e caldo de carne, deixando reduzir para metade do seu volume inicial. O que me serviram, leva bacon, não leva trufas, não leva foie gras, não leva pão. O molho leva caldo Knorr, o puré era de pacote, o esparregado congelado, a carne igualmente congelada. Sendo que, pelo menos, quando me apresentaram o ponto médio mal que pedi, a carne não estava congelada, estava apenas crua. Reparem que a experiência no seu global não se distância, em muito, do que se come em média em qualquer casa portuguesa. Um puré de pacote para o desenrasco, um esparregado no congelador para uma emergência e um bife que é finalizado com um pouco de caldo Knorr. Para mim, a questão reside apenas num simples e quase incontornável ponto: Qual a base de conhecimento que têm as pessoas que julgam o prato que eu comi, propositadamente para o avaliar, como sendo divinal ou muito bom. O que comem em casa então? Onde vão elas jantar fora? Que palato é este que não é capaz de reconhecer, apesar de ser comestível, que comia puré de batata desidratado? Que comia espinafres congelados carregados de natas? Que comia um bife descongelado? Que palato é este que julga um prato, que não é o prato clássico que vendem, mas sim uma adaptação, creio ela assente na ignorância e desconhecimento como sendo bom? Como se pode ter uma ementa com tantos pratos, partindo todos eles de elementos frescos? Este é outro ponto que abordarei brevemente: o congelado. No meu caderno de notas já vão dois restaurantes que no meu entender só sobrevivem porque tudo o que fazem é a base de congelados, desidratados, etc. É a única via possível num mercado tão pequeno e imprevisível? Sim, parece-me que sim. Assim vai a nossa restauração. Nunca percam a classe caros comensais micaelenses.

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