É mais fácil perceber porque é que o Hitler invadiu a Polónia do que perceber o vinho?

Este é o post que eu sempre tive medo de escrever até ler The Accidental Connoisseur do Lawrence Osborne. Sendo eu um bebedor de vinho sublinhadamente convicto, mas sem grande experiência, tenho-me servido, usado e abusado da paciência do Paulo Pacheco, o homem do Pote dos Desejos, distribuidor de vinho aqui em São Miguel e meu vizinho aqui ao lado no + Lapas. Uma coisa que gosto nestes dois cavalheiros é o lado mundano do vinho, longe da verborreia que normalmente carateriza as pessoas ligadas à industria: - Este é um vinho complexo, com um bouquet aromático, alguns taninos, sinto no terroir pêssegos e fruta vermelha. (Bom, a uva é um fruto vermelho, qual a novidade?) Para a maioria das pessoas, também elas bebedoras de vinho isto é bullshit. É bullshit na medida em que não é tangível ou sequer sensível. Criou-se um léxico ou código, como se preferir, de tal forma inacessível, que basicamente serve para os críticos e a própria indústria especular o vinho. Porque é que o Paulo me arranja um vinho fabuloso que custa 5 euros e outros custam, 40, 50, 100, 200, 300, 1000 euros? Porque é que a minha felicidade não é diretamente proporcional ao preço que estou a pagar pela garrafa de vinho? O vinho é 99% psicológico. Por mais que queiramos adjetivar e catalogar, ato que compreendo, pois são milhões de referencias no mundo inteiro, o vinho tem a ver com sentir, viver, e com quem e onde se vive o vinho. Dois exemplos. O Paulo conta-me uma história que acho muito interessante e cheia de insight, e como sempre de forma descomplicada. Ele foi de férias e num restaurante pediu um vinho que considerou fabuloso. Seduzido e apaixonado, resolveu comprar uma garrafa para beber quando chegasse a casa. Acabadas as férias e depois de um dia de trabalho resolveu abrir a garrafa que tinha trazido e concluiu que o vinho era uma merda. O vinho era complexo, com um bouquet aromático, alguns taninos, sentíamos no terroir pêssegos e fruta vermelha? Ou o vinho é psicológico? O segundo exemplo é uma história contada pelo Robert Mondavi. Sim o próprio. O responsável e percursor pela produção de vinho na América. Para ser mais preciso, Califórnia, Napa Valley. (Há quem pense que o fenómeno do vinho na Califórnia é recente. Mas a verdade é que remonta ao início dos anos 60). No dia 24 de Maio de 1974, altura em que os vinhos de Napa já eram bastante consistentes, realizou-se uma prova com críticos reconhecidíssimos a vinhos Americanos e Franceses. Os Chardonnay foram emparelhados com os Burgundie brancos e os Cabernet com os Bordeaux. Tudo uvas e vinho de fina estampa, mas com centenas de anos de diferença em experiência de produção de vinhos. E, já agora, centenas de anos de fabuloso marketing Francês em cima do vinho. Os famosos críticos, todos eles franceses, naquela que Robert Mondavi descreve como a prova de vinhos do Século, pensavam que iam ganhar 15-0. Nos brancos houve 3 vinhos de Napa nos 4 primeiros. E nos tintos, ficou em primeiro o 1973 Stag’s Leap, de Napa. Um jornal fala de uma saída de um dos críticos: “ahhh back to France”, ao beber um Chardonnay de Napa Valley. O vinho era complexo, com um bouquet aromático, alguns taninos, sentíamos no terroir pêssegos e fruta vermelha? Ou o vinho é psicológico? A partir daí os produtores de vinho da califórnia perguntaram-se, então porque vendemos a 5 euros a garrafa e eles a 50 euros, se os nossos vinhos são tão bons ou melhores? O vinho é melhor coisa do mundo, mas provavelmente é também a coisa mais especulada. Por isso, não se preocupem com léxicos, terroirs, bouquets. Preocupem-se em viver e sentir o vinho. Em boa companhia de preferência. É isso que eu faço, é isso que o Lawrence faz e é isso que o meu querido amigo Paulo faz. Sem complicações e palavras difíceis, porque a vida já é difícil o suficiente. E agora, de volta a França.... pois vou abrir um dos melhores espumantes portugueses, o Vértice.

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