Especial Paris :: La Maison de La Truffe









Apertem os cintos de segurança, diria a hospedeira de bordo desta espécie de TGV em descarrilamento. Tem um metro e oitenta, loira, de olho azul. E digo forma correcta: de olho. Pois o outro não tem.
E o seu braço foi deformado por um acidente em Chernobyl, foi o melhor que este nível de escrita conseguiu comprar com o objectivo de informar o caro leitor de que passados quase 60 posts, agora é que é a sério. Se sei o que quer dizer sério, já veremos.
Quem deixou L.A.E nesta disposição não foi um restaurante com 3 estrelas no Guia Michelin, duas ou uma. Foi uma espécie de general francês que sacrificou uma perna na guerra para salvar um soldado e nem uma condecoração mereceu. Esse general também mudou a vida de L.A.E para sempre.
Não estaria à espera que um restauranteco de segunda liga parisiense arrebatasse o coração de L.A.E com um menu simples, escorreito e de matriz clássica.
Por isso, este restaurante pode dar-se ao luxo de não querer, por direito próprio, participar nesta farsa de guias, críticos e recomendações, na qual L.A.E não pode deixar de estar incluído, não fosse este blog um circo de pulgas.
Este restaurante pode dar-se ao luxo, porque é puro luxo.
Se não vejamos. A ementa é constituída essencialmente por pratos com trufas ou caviar. Os dois ingredientes mais galácticos que existem. Aliás a Maison de La Truffe é uma espécie de Real Madrid. Tem os melhores, mas não ganha nada. O que vale é que vende t-shirts que se farta. E no fim das contas é isso que importa para comprar mais Cristianos Ronaldos ou trufas. Sendo que prefiro a segunda opção.
De qualquer das formas e ao bom estilo de L.A.E começaria por mandar todos à ova, dizendo que o caviar está para L.A.E, como L.A.E está para o prezado leitor: não é para todos.
O Caviar porque é bom. L.A.E porque é uma merda. Mas não é qualquer um que gosta de um ou do outro. O caviar não é fácil de se gostar, principalmente por uma imagem negativa que ganhou às custas dos sucedâneos que se vendem a 3 euros a embalagem. Engodo para servir de isco sabe melhor.
No fundo, fico contente, com esta personalidade forte do caviar, pois afasta logo um monte de pessoas que gostaria de comer, se experimentassem caviar à séria, e isso iria especular ainda mais o seu preço.
A Trufa alinha pelo mesmo campeonato. De um sabor exuberante, dificulta a vida às auto estradas do palato, abertas a Mcdonalds, pastas de delícias do mar e principalmente cogumelos de lata.
O mau tem sempre que existir para se reconhecer o bom. Mas neste caso a ignorância gastronómica, de forma pouco surpreendente, vira os pólos à coisa, transformando o mau em bom, e o bom numa coisa com um sabor esquisito.
Parece complicado, mas é simples. O Mcdonalds é bom porque leva uma porrada de molhos em cima, a pasta de delícias do mar idem e os cogumelos de lata porque não sabem a nada. E uma coisa que não sabe a nada não incomoda ninguém. É tão honesto que quase podia ser um slogan de venda dos cogumelos de lata.
Já o Caviar sabe. E lamento informar que sabe a peixe. E a trufa, sabe a um bom cogumelo que nasce debaixo da terra.
Não vale a pena experimentar colocar latas de cogumelos debaixo da terra, porque vão continuar a não saber a nada. E se por uma milagre qualquer alterasse o seu sabor para um registo próximo da trufa, não iam gostar. Por isso, é deixar o abridor de latas fazer o seu trabalho na sequência habitual.
Isto sabendo à partida que infelizmente o abridor de latas, só abre mesmo latas, não abre palatos, nem mentalidades, nem a porta da Maison de La Truffe.
A mesma que L.A.E passou 3 vezes para degustar trufas, depois caviar e depois caviar e trufas.























À semelhança do Gambrinus, o serviço é irrepreensível e isso faz com que L.A.E se sinta imediatamente à vontade, tornando o prazer de leitura da ementa semelhante à alegria de uma criança ao ler um Tio Patinhas.
Toda a ementa é impregnada de um conceito trufa, deixando o caviar para uma degustação brutalmente clássica: Blinis, Crème Fraiche e a latinha de caviar sobre uma cama de gelo. Easy as that.
Sentir todas aquelas bolinhas a explodirem na boca libertando um sabor intenso e exuberante é como fazer da boca um palácio real, onde a língua tem o prazer de ter várias relações sexuais com cortesãs diferentes ao mesmo tempo. Só que ainda melhor. Quanto mais não seja porque num caso se apanham doenças sexualmente transmissíveis, enquanto no outro pelo menos só nos vão à carteira.
Lá diz o ditado antes pobre, mas com saúde. L.A.E é um teso, que já foi ao céu e voltou várias vezes às custas destas bolinhas pretas.
E como em tudo na vida, é uma questão de equilíbrio. É para isso que está lá o Crème Fraiche. Uma espécie de intermediário que deve ser usado em pequenas quantidades, para oferecer, em próprio sacrifício, todo o protagonismo ao caviar.
Não façam como a mesa ao lado, onde a senhora que acompanhava o marido fazia uma cara de desagrado sempre que provava. E à medida que mais provava, mais crème fraiche colocava. Um crime, que no meu país da prisão e morte sumária.
Se fosse minha esposa, preferia mil vezes que estivesse com o meu cartão de crédito a passear-se pela loja da Louis Vitton nos Campos Elísios. Éramos os dois mais felizes. Ao contrário, aquele senhor só devia estar pensar em meter os papéis de divórcio. Como L.A.E é bruto, primeiro escorraçava-a da mesa, acabava o caviar e só depois tratava dos papéis para o divórcio.
Toda esta identificação com o caviar acontece porque para além de ser muito bom é de facto igual a L.A.E ou se ama ou se detesta. E tal como no caso deste blog, são muitos mais a detestar do que a gostar. Obrigado.
A trufa em si, já é mais apaziguadora, mesmo assim muito longe de entrar na shortlist para o prémio Nobel da Paz. Mas hey, se o Obama ganhou o dito nobel, porque não a Trufa? Tanto um como o outro terão feito mais coisa, menos coisa o mesmo para o merecer.
Mesmo assim a trufa consegue de facto ser um pouco mais consensual, isto entre a elite que partilha de um palato desenvolvido. Palatos do segundo e terceiro mundo continuarão a torcer o nariz. Se a isto juntarmos o foie gras com trufas que uma vez L.A.E comeu, diria que a taxa de suicídio subiria em flecha.
O que era uma pena. Quem iria comer as delícias do mar e os cogumelos de lata que cá ficariam? É que L.A.E juntar-se-ia ao grupo de suicidas só para não ter que comer qualquer dos dois. Uma espécie de Wacko gastronómico, os motivos não são os mesmos, mas no fim todos morrem.
Por isso, prefiro guardar este acto para quando já não existirem trufas ou caviar. Lamento desiludi-lo.
A primeira vez que me apeteceu subir ao céu, e não consegui porque os elevadores estavam todos ocupados, foi quando vi o caríssimo Bento dos Santos, que de L.A.E só merece amor, carinho e respeito apresentou uns ovos estrelados com trufas. O prato preferido de um Rei de um pais que agora não interessa nada saber qual, porque não me lembro.
É realmente de Rei. Porém L.A.E is now in a relationship with scrambled eggs with truffle and it’s not complicated.
Caçarola, abre os ovos, coloca um pouco de manteiga e um pouco de azeite de trufa. Quem nunca teve este azeite em casa pergunto: porque insiste em ler esta porcaria de blog?
Liga o fogão numa boca média. Só aí começa a mexer os ovos e sem parar. Insiste. A nível de metodologia a caçarola deve ser retirada do lume de vez em quando para que os ovos não cozam depressa demais. E vai alternando. Entra lume. Sai lume. Este método também ajuda a incorporar mais ar novos ovos, fazendo com que pareçam nuvens no céu da boca.
Quando sentimos que os ovos estão quase, apaga o lume e coloca um pouco de natas. O objectivo: aumentar ainda mais a cremosidade, mas o real motivo é baixar a temperatura, inibindo os ovos de continuarem a cozinhar.
Lamina a trufa e serve. Convém que o comensal esteja lavado por baixo, pois nunca se sabe muito bem como é que este prato vai acabar. Mas a tendência é reinar uma certa euforia e como tal, tudo pode acontecer.
É incrível como L.A.E consegue fazer estes ovos mexidos tal e qual a Maison de La Truffe, mas só os passou a fazer depois de lá ir. Um ovo de colombo, simples depois de alguém apontar solução. O que sossega L.A.E é que também não foram eles a inventar o pratos, por isso estamos todos em modo: cego a guiar o nú.
Tal como um filho adoptado deste criador, já estou numa idade que não quero saber exactamente quem é o meu pai. Mas que o vou amar para todo o sempre, lá isso vou.
Já agora, se ele me conseguir enviar umas trufas frescas e uma latinha de caviar Beluga consigo amá-lo para lá de todo o sempre. Seja lá o que isso queira dizer.


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