Especial Paris :: Agapé

L.A.E: Bon soir, Je voudrais réserver une table pour aujourd’hui.
Agapé: Aujourd’hui ? C’est impossible monsieur!
L.A.E: Ohhhh merci. J’arrive dans quinze minutes.














Foi praticamente assim que L.A.E conseguiu jantar no restaurante Agapé em Paris, que apesar de ter apenas uma estrela Michelin foi considerada a melhor experiência gastronómica deste Tour de France.
Ao contrário de Lisboa, em que podemos aparecer no Tavares de pára-quedas e conseguimos jantar, em Paris é bastante complicado tentar fazer uma reserva para o próprio dia.
Passei a pertencer ao restrito grupo de morcegos gastronómicos, que ganha vida quando o sol de põe, ocupando todas as mesas dos melhores restaurantes de Paris. Esta é uma primeira ilação. A oferta é muita, mas curta ao mesmo tempo.
Não fosse L.A.E um artista português, que como tal foi com uma mão à frente e outra atrás, ou seja, sem nada de profundamente planeado. Um pouco à semelhança do meu adorado país, o plano de contingência ou passa por não ter plano, ou por não ter contingência. Pelo meio, é todo ao molho e fé em Deus.
Como L.A.E está longe de ser católico, embora profira com frequência coloquialismos religiosos, que não se engane o fiel. Esta é uma ovelha tresmalhada, sem rebanho e sem fé. Sem ser aquela que o sente à mesa de um excelente restaurante. Por isso, até reza.
Jantar no Agapé foi um acto de fé. Quer dizer ligar para um restaurante deste nível às 21h para tentar jantar às 21h30, é um pouco como pedir uma audiência ao Papa para discutir a temática dos contraceptivos.
E foi o que aconteceu. O Papa não recebeu L.A.E, mas L.A.E conseguiu mesa no Agapé. Confesso que antes fazer o amor gastronómico em cima da mesa daquele restaurante, do que ter sequer a hipótese de ver o Papa a lavar o pé de L.A.E.
Apesar de cozinhar reconhecidamente bem, ainda é mais fácil lavar o próprio pé do que repetir tudo o que experimentei.
O menu de degustação era composto por 10 pratos e custa cerca de 150 euros por pessoa. Fugindo de novo o pé para o chinelo profano/religioso, abençoado seja cada cêntimo que acabou por pagar este intricado e ardiloso plano de colocar L.A.E a falar bem de um restaurante.
Mesmo apesar de num acto de sublinhada arrogância, a que L.A.E prefere catalogar confiança, saber que consegue cozinhar praticamente ao mesmo nível que qualquer bom restaurante. Tiro nosso senhor do caminho, ou seja Ferran Adrià e este over statement ganha contornos de veracidade.
Esta foi outra lição que L.A.E aprendeu. Muitos destes proclamados restaurantes são altamente especulados. Proporcionam experiências extraordinárias é uma realidade. Mas como iremos perceber ao longo destes especiais de Paris, comi em locais muito mais baratos e verdadeiramente surpreendentes.
É um mundo de piratas. Não tendo eu pala em nenhum dos olhos, refugio-me numa vista direita cheia de dioptrias que é quase a mesma coisa. E mesmo no limiar do coxo de visão L.A.E é muito observador. Cheira de imediato a rum e a gente embarcada há muitos meses.
Respeito a actividade mercenária do próximo, mas entre ser enganado por piratas e ser enganado por piratas que se dão ao trabalho de lavar os dentes para disfarçar o hálito a Rum, prefiro a segunda hipótese.
O bom de ser enganado é não saber que estamos a sê-lo. E talvez não exista coisinha pior do que ler estas crónicas do que ser enganado e saber-se que se está a ser enganado. Por exemplo, não é tão bom entrar neste blog e sentir que o nosso intelecto vai ser completamente corrompido por piadas fáceis, pornografia e quadros pitorescos de bórdeis?
Neste caso os piratas do Agapé lavaram os dentes. E eu gostei se saber que ia ser enganado por pessoas que mereciam enganar-me.











































O Jovem chef Bertrand Grebault é de facto talentoso, sendo que o chefe de sala convenceu L.A.E a ir por um menu que não estava na lista. Segundo aquele corsário, o chefe estaria muito inspirado. Mentira, mas mais uma vez gostei de ser ludibriado.
Desconfio que um chef destes está mega inspirado todos os dias. Mesmo quando dorme. Enquanto a Nigella acorda a meio da noite para se lambuzar numa receita cheia de batota, um Bertrand sonâmbulo faz uma iguaria capaz de acordar um morto, sendo que com uma das mãos faz uma massagem de pés à Nigella.
Sim, apesar de fazer muita batota, é uma coisa boa não perder de vista aquela grande pedaço de mau caminho que é a Nigella.
Aventuras nocturnas à parte, que poderiam descambar em versões porno comensais do nove semanas e meia, o que é facto é que apresentou um menu surpreendente. Criativo e coerente de ponta a ponta. Acompanhado prato a prato com um copo de vinho especificamente escolhido para noivar com o respasto.
A coisa começou no Couvert com uma inimaginável manteiga de mexilhão. Era fresca, salgada do mar e cheia de ADN de mexilhão. Por recomendação do Ministério do Colesterol, foi utilizado um pouco de pão. Mas se querem a opinião de L.A.E esta manteiga divina devia ser servida com uma colher de café.
De seguida veio um intrigante aveludado que L.A.E pensou no primeiro contacto que seria de aipo. Mas colher após colher veio o foco, era uma espécie de creme de cebola com oregãos, numa temperatura tão baixa que parecia um sorvete ou um semi-frio. A cor era de um branco tão imaculado, que nem as camisas de L.A.E lavadas com Tide lhe chegam aos calcanhares. Surpreendente pela apresentação, profundidade de sabores e técnica.
O coraçãozinho de L.A.E parecia bater como o de uma criança a desembrulhar a primeira bicicleta. E quase o mataram por arritmia. A seguir vem um Carpaccio de vitela fumada com alcachofras e pontas de espargos.
A única coisa que pedia era um voo directo para o céu, e o que eles me derem foi uma escala no planeta Cliché. Desanimador.
O dia inspirado do Chef não foi o suficiente para evitar aquele lugar comum. Ou se calhar só estava a provocar o sobe e desce emocional de L.A.E, pois a seguir vem uma salada de lagosta com manjericão e vinagreta de maracujá.
Vendo as coisas à distância e com frieza, ainda me pergunto porque é que não lambi o prato, saltei para cima da mesa e dancei como um macaco contente.
Se a perfeição existisse consubstanciava-se numa lagosta fresca cozinhada na perfeição (cheirou a cozedura lenta) e uma vinagreta de maracujá, sem que o protagonista principal tivesse um assomo à Tom Cruise.
Ainda ao escrever esta linha, L.A.E quase que regurgita todos os sabores e paladares. Não sei se Bertrand estava a flirtar, ou se queria mesmo ir para a cama com L.A.E, porque dali para a frente ficou uma tensão quase sexual no ar.
A apresentação, conjugação de elementos, criatividade e técnica do prato que veio a seguir era digna de constar nas páginas principais de uma Playboy. Uma boa playboy, a portuguesa é rasca à brava. A sardinha está para a Ana Malhoa, mas já o creme de couve flor e aipo com sorvete de maçãs verdes é digno de uma edição brasileira, de uma revista que é sobejamente conhecida pelos excelentes artigos que publica.
Mas que se lixem artigos, preposições, adjectivos e advérbios, quero comer aquele prato para todo o sempre. Na tristeza e na alegria. Na saúde e na doença até que a morte, que se espera longínqua, nos separe. A boca, a barriga e o prato são agora um.
Continuando a saga, vem mais uma razão pela qual os franceses, e neste caso Bertrand, são absolutamente enervantes. L.A.E vive a 100 metros do mar, mas são aqueles sacanas, sem mar, que cozinham peixe como nós, meros mortais não sonhamos ser possível.
Cherne em espuma de vinho tinto e favas frescas sem casca. Um prato que na imortalidade de algum receituário caseiro, L.A.E faz com regularidade. Não na mesma matriz técnica, mas na mesma palete de sabores. Bertrand é muito melhor. Um é interessante o outro é fabuloso.
Se serve a dica: cozemos demais as favas e comemos partes verdadeiramente dispensáveis e que bloqueiam o verdadeiro sabor do alimento.
Quase sem tempo para vir à superfície, pois a cozinha estava com o ritmo perfeito, serviram o que para mim começou por ser vazia, depois acém, depois socorro estou perdido, depois um corte fabuloso do cachaço de....porco. Mon Dieu! Acompanhado de uma coisa que também se faz muito lá em casa: Cebola verde grelhada.
A seguir, para não quebrar o ritmo a que me davam cortes, veio o prato dos queijos. Excelentes diga-se. Mas sem qualquer confecção. Planeta Cliché no regresso a casa.
E eis que chegou ao momento em que L.A.E tirou o rabo de cavalo, rodou os longos cabelos louros, colocou a mão na anca e disse: Eu sou a vossa meretriz.
Gelado de Manjericão. Não me vou alongar sobre aquilo que foi uma surpresa quase total, não tivesse provado o excelente gelado de poejo do Avillez.
Fechou com um não menos excelente gelado 70% cacau, parfait de banana e pistachios caramelizados. Outra combinação muito comum no Bistro de L.A.E.
E no fim, estes valentes piratas lá acabaram por encontrar o tesouro no cartão de crédito de L.A.E

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