La Vida Loca de L.A.E
































































Não. Ricky Martin não tomou conta do blog (conseguisse ele articular mais do que um refrão Pop). Nem é L.A.E vai sair do armário. Até porque não há armário de onde se possa sair, quando já é certo e sabido que ler este blog é uma pura perda de tempo. Contas feitas desde o primeiro post.

A Vida Loca é apenas um sound bite para um memorável sábado e correspondente jantar. O primeiro jantar digno de esse nome do ponto de vista estrutural, conceptual e criativo. É com enorme pesar que L.A.E se apercebe que esteve quase dois meses sem elevar o nível da sua cozinha. Mantendo-se, confortavelmente, num patamar Bistro, sempre bem executado, mas menos estruturante e criativo.

O conceito Bistro é um pouco como os subsídios. Existem para, supostamente, criar competitividade, mas no fim das contas criam dependência e não crescimento. Um Bistro é simpático, mas não empolga. Mata a fome, mas não cria a vontade de comer. Ao contrário, tudo o que é estruturante e “desenvolvível” cria a necessidade de.

Como L.A.E consegue fazer uma moção estratégica num parágrafo é tão curioso, como a lágrima de sangue que escorre sobre a estátua de Cristo, numa igreja qualquer. Não acreditando em coincidências, só posso acreditar que existe uma relação directamente proporcional entre elevar o jogo na cozinha e a actividade cerebral.

Sim é verdade. Há horas em que L.A.E se sente muito perdido. Vejamos: uma casa repleta de ingredientes frescos, onde quase tudo pode acontecer, torna-se complicado fechar uma ementa, um alinhamento. A exigência de raciocínio e critério obrigar a puxar pela cabeça. Chega a doer. Mas como qualquer atleta, ultrapassada a barreira da dor, atingem-se os grandes feitos.

Longe de L.A.E pensar que foi um grande feito. Foram 14 horas de ponta a ponta, empenhei-me ao máximo, em todos os aspectos. A minha mãe não provou, mas tenho a certeza que concorda que sou o maior. O maior do mundo, na área do meu bairro, mas só na minha rua, sem contar com a vizinha do lado de cima, que cozinha que se farta, e só aos Sábados, em dias impares, e que por uma remoto acaso, L.A.E esteja a cozinhar.

Da praça vieram legumes frescos e fruta, mas a novidade do dia foram os cavacos vivos. Uma espécie de lagosta, mas em bom. Amigos, o céu fica mais perto da terra quando se trinca um cavaco fresco, cozinhado no ponto. Faço nota que perguntei ao, experiente, homem dos cavacos quanto tempo se deveria cozer o animal. Ele disse: 20 minutos. Mentira. Não façam isso.

Provado está que os sabe apanhar, mas talvez não os esteja a degustar na perfeição sublime de fazer assim: Água com flor de sal. Colher de chá por litro. Ferve, mas ferve mesmo bem. Bicho vivo, virado com a cabeça para baixo dentro da panela. Qual movimento de ballet, largas e afastas a mão de modo a que o respingar água a ferver não te atinja. Pese embora que a queimadura, de certeza bem merecida, dói que se farta. A evitar.

Quando voltar a ferver, que é pouco depois, marcas 13 minutos, por um cavaco de 500 gr, que é o peso médio do animal. Tiras do lume, com precisão suíça. Gelo e água fria. L.A.E exige um arrefecimento global rápido. Já! Estica a cauda, faca penetra, longitudinalmente logo abaixo da carapaça, separando o lombo em dois.

O processo, ao todo, deve demorar os tais vinte minutos, se a água entrar quente na panela, ao invés de fria.

L.A.E fez duas saídas. 1. Meio lombo em salada, com molho holandês. 2. Meio lombo sobre risotto de tomate, com caldo do próprio cavaco. Partes integrantes da seguinte ementa:

1. Amuse de Bouche: Cachimbo de morcela, queijo da serra e amêndoa torrada.

2. Salada 1. Alface Red Oak, Rúcula, vinagrete de sumo de pêra, e presunto 5J, com bocadinhos de pêra, passados na frigideira com um pouco de manteiga.

3. Caldo de Soja, com Salmão marcado na chapa, sobre mega crouton.

4. Salada 2. Alface Mignonette, molho Holandês e o dito cavaco, carinhosamente apelidado Aníbal Silva. (Facto: Um cavaco aguenta quase um dia fora de água sem morrer. Vá criatura resistente. Diz muito dos Açores).

5. Risotto de Cavaco. Supra descrito. L.A.E é egoísta. Não partilho sequer a vã tentativa de descrever a qualidade deste prato, que em restaurante só seria rentável cobrar acima dos 40 euros.

6. Chili Tártaro. Um conceito brilhante, excepcionalmente executado. Dizem os que provaram. L.A.E acha-se um palhaço, e por aqui ficamos. Mas gostei de comer, e gostei do conceito de um chili crú, sobre base de puré de feijão preto, e gema de ovo “on the top”. Devorado em praça pública.

7. Yogurte caseiro de Laranja e Limão, com Honeycomb. O Crunchie da Cadbury’s, é um Honeycoomb dipado em chocolate de leite. É uma textura estaladiça, cheia de ar e com sabor a mel. O processo é simples. Açúcar, bicarbonato de sódio, glucose e mel, que derretem ao lume, mais pormenor, menos pormenor, que posso fornecer ao audaz leitor que até aqui conseguiu chegar, qual Diogo Cão, entre outros grandes navegadores, perdidos à deriva. Mas, como qualquer descoberta, é fascinante, lá isso é.

8. Petit four. Trufa de chocolate branco com creme de ananás. Quando se diz ananás, não é abacaxi, não é de lata, não é doce, não é calda. É, pura e simplesmente, das melhores coisas que L.A.E já trincou na vida.

A comida fala por si.



Comentários

  1. Parabéns pelo menu. Gosto muito do equilibrio visual que dá ao seu empratamento. Nota-se uma tentativa de distribuir tanto o sabor como o que ele aparenta. Mas para safistazer a minha curiosidade, a terceira foto ilustra o risotto?

    Fiquei curioso. Deixo-me levar pela gula e deixo o desafio que era interessante uma troca de ideias sobre a técnica aplicada em cada prato. Não sei é como o poderiamos fazer. Talvez por email?

    Como acredito na partilha de experiências e no apoiar quem está a fazer bem, só posso dizer que o seu blog é uma inspiração para mim. Não tanto pelo vernáculo muito bem utilizado, mas pela atitude de procurar ingredientes de raiz e de os utilizar numa transformação que lhes permita viver uma nova vida. Daí os parabéns.

    Deixo então um caloroso abraço. E a certeza que passarei por cá muitas vezes para comentar e para questionar também. Porque existem opções que são sempre passíveis de serem discutidas.

    Bogart

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  2. Olá Bogart. Infelizmente não tirei fotos do Risotto, nem da sobremesa. É preciso não esquecer que estes jantares são sempre muito bem regados. E a determinada altura, com tantos pormenores para controlar, acaba sempre por escapar aqui e ali um pormenor.
    Como é óbvio não terei qualquer problema em partilhar o que quer que seja. Pelo contrário, agradeço o interesse.
    A via mais eficaz, será mesmo por aqui. O mail também dá, mas visito com muito menos regularidade. luisantonego@gmail.com.
    Fico a aguardar
    Bom apetite.

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  3. Muito bom! tem tudo um óptimo aspecto.
    Adorei o "cachimbo"que é uma verdadeira arte do "menos é mais!"
    No entanto, fiquei curioso com o chili...

    portanto: a base é puré de feijão (acredito que pem puxadinho e temperado etc e tal), ok
    o ovo cru.. está lá!
    mas.. aquilo é só carne moída crua.. ou algo mais?

    adorei!
    ps- dá um abraço ao Ricky por mim....
    ...
    lllllllllloooooooooollllllllll

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  4. Muito bem então. Que seja então aberto um novo canal de discussão. E ainda bem, porque o prato na terceira foto, que presumo ser o Caldo de soja e seu mega crouton, me deixa intrigano na preparação do mesma. Isto é. Qual a base para tal Caldo? Soja em rebentos? Soja em grão? Soja em feijão? E como se apura tal sabor?

    Abraços e Obrigado.

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  5. Isto é quase tão emocionante como o pontapé de saída do mundial de futebol para coxos. No qual L.A.E não pode participar porque tem duas pernas de pau. No que a cozinha diz respeito, igual ou pior. Mas enfim. Bogart pergunta, L.A.E responde ao som de "You must remember this".
    Quanto a negócios, a receita tem o seu quê de processo.
    Primeiro, gosto de fazer dois caldos, um de galinha e outro de peixe. Aproveitando os restos do Salmão. (Qualquer bom livro pratico ensina esta técnica de preparação).
    Faço o caldo de galinha, porque lhe confere uma textura mais rica e até certo ponto, um outro brilho. Proporção 2 de peixe, um de galinha.
    Previamente já filetei o Salmão e cortei a melhor parte em rectângulos perfeitos. Tempero com flor de sal, pimenta rosa, fio de azeite e de limão galego. E que não se pensem por cortar em rectângulos que temos desperdício de de peixe. Não senhor. As pontas soltas podem fazer um amuse, um tártaro, um molho, etc.
    Corto um pouco de pão caseiro ao tamanho do Salmão. E está pronto para a finalização.
    Para fechar salteio cebola vermelha picada, alho, manteiga, bacon e rebentos de soja, que introduzo a meio caminho.
    Quando estiver a caramelizar, começo a introduzir a mistura do caldo. Método sopa de cebola, cruzado com risotto, pois vou introduzindo concha a concha até a tingir o volume e o sabor desejado. No fim, para dar um toque asiático leva uma mistura de molho de soja, lima e wasabi.
    Passo tudo numa rede bem apertada e do outro lado sai veludo.
    Frigideira bem quente marca o pão e o Salmão.
    Prato de sopa, duas conchas do mega caldo purificado, rebentos de soja frescos, mega crouton, pedaço de Salmão on the top.
    Done.
    Estamos a falar de um investimento mínimo de 3/4 horas, sem compras. E para mim valeu cada segundo.

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  6. E pois muito bem. Eu estava com essa ideia. Pensei que muito do processo seria esse portanto. E o culminar parece perfeito. Em todo o esplendor.Gosto da ideia de preparar o caldo da mesma forma que o risotto, começando com o soffritto e depois conchas de caldo. Parabéns. Acredito que assim lhe confira muito mais sabor, uma vez que é tudo mais concentrado e não diluído como nas "sopas" mais tradicionais.

    E calculava que o tempo de preparação fosse alto. E acredito que o resultado seja fantástico. Muito obrigado por partilhar comigo tal receita. Eu também considero a forma importante e nunca existe desperdício desde que a criatividade seja nossa aliada. Temos de aproveitar o que investimos na proteína. Eheheh.

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  7. Caro Bogart,
    É realmente um prazer partilhar consigo estes pequenos e tortuosos tesouros.
    Os processos e técnicas fascinam-me, pois como em tudo na vida, 99% é transpiração atrás do fogão. E basta 1% de criatividade, bem direccionada, para atingir um padrão elevado.
    Uma das coisas que mais me aflige, por exemplo, é a ausência de boa interpretação dos pratos clássicos. Um tártaro, nunca é um tártaro puro, apenas com cornichons, anchovas, cebola roxa, leva sempre um twist. Normalmente, mau.
    E como gosto de me por em cheque, então e o chili tártaro que fizeste?
    L.A.E defende-se como pode, o que até faz de forma razoável. A ideia do prato não é um tártaro, é um chili desconstruído, onde entra a figura de um tártaro, temperado de modo a se integrar melhor no conceito de chili.
    Desviada a própria bala, diria que é muito importante uma interpretação dos clássicos com exactidão e assumir o que são. O domínio perfeito de todas as técnicas e clássicos, permite então criar. E criar, não é, no exemplo do tártaro, usar um ingrediente diferente ou molho. Porque algo que se cria, é novo. Não é uma espécie de pastiche.
    Um caso muito comum onde se vê este caso é na cozinha italiana, a coisa mais pura que existe. É frequente ver-se nos restaurantes e nas nossas casas bolonhesas que não o são, carbonaras que não o são. No meu entender, não são boas execuções, nem são boas criações. São coisas perdidas no purgatório de encher o bandulho com qualquer coisa.
    Preferia ter menos 300 restaurantes italianos, a ter 2. Um que executasse bem e outro que tivesse a audácia e o engenho de criar.
    E insisto que este é apenas um exemplo filosófico, mas que mostra, que mais monstruosidade, menos aberração, o que digo não estará longe do correcto.
    Pontífice máximo deste conceito: Ferran Adrià.
    Isto não quer dizer, que mesmo dentro do amadorismo, no qual me circunscrevo, queira seguir o conceito de Ferran. Porque aí não estaria a criar, o objectivo será sempre o de tentar trilhar o meu caminho. Neste momento, sinto-o muito mais orientado para a simplicidade, pureza e limpeza de sabores são os pilares que neste momento suportam a cozinha de L.A.E.

    Abraço,

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