Se podia viver no mundo de L.A.E? Podia, mas ficaria louco ao fim de seis horas.





















Imagine o caro leitor, e o anónimo também, que se já é complicado ler um post neste blog, o quão complicado seria viver nos Adidas Stan Smith, nº41, de L.A.E.
É que nem a dormir tenho descanso. A minha comida pode não ser um sonho, mas eu sonho com comida. Sonho pormenorizadamente com ideias, execuções e apresentações. É verdade que as pessoas sonham, muitas vezes, com coisas que gostam. E apesar da minha lista de gostos ser, tão previsível, como a do próximo, é com criar e confeccionar que sonho 99% das vezes.
E este é só o começo do dia. (quer dizer, o dia nem começou, ainda estou a dormir).
Correndo o risco de estar a alertar as autoridades para o facto, a verdade é que sou refém de L.A.E. E o resgate é cozinhar, experimentar, intervir, provar até ao fim dos meus dias. Não quero alertar consciências, nem a policia, pois não quero ser salvo. Que fique a nota.
Aproveito para introduzir uma receita, nesta espécie de Anita visita L.A.E: O meu caldo de peixe secreto, que é agora apanhado nas malhas da contra espionagem.
Antes de conseguir elaborar um segundo raciocínio, estou com nariz espetado em cima da bancada do peixe. A minha peixaria preferida é na Ribeira Grande. Agora ao escrever, percebo que não sei o nome, (Almeida?) não sei a rua, é perto do mar, mas pouco mais consigo precisar, para além do facto de saber como lá voltar. Perfeito. A praça é suficientemente boa para os demais. E até no Sol*Mar e Modelo, que podiam ser os casos mais dramáticos, se encontra peixe bem fresco. Mas numa boa peixaria vemos cortes, que nem passam pela cabeça dos comuns mortais existir, como a ventresca de cherne, que é mais barata, e também é melhor do que qualquer outra parte, à excepção das bochechas. É comida de casa de pescador e peixeiro. Eles sabem o que é bom.
Uma vez em casa, e após ronda por todos os super e mercados, é hora de montar o caldo nº1, neste momento desmontado em 350 mil peças. O Salmonete ou qualquer outro peixe, vem escamado, mas não arranjado. Sou eu que o arranjo, às vezes aproveito os fígados (para outro post) e gosto muito de filetar e tirar todas as espinhas. Muitas vezes recorro a uma pinça, que comprei lavado em vergonha, numa perfumaria. Disse que era para uma amiga, mas mesmo assim, a minha masculinidade jamais será a mesma.
Todos os restos do peixe para uma panela com água, alho francês, aipo, cenoura e tomate. Tudo picado e do mesmo tamanho. A ferver entram as ervas (salsa, keeping it simple). Passa a lume brando e sem tampa, para reduzir.
Neste momento, para finalizar a preparação do filete, entra a tal pinça para o trabalho cirúrgico, prefiro não entrar em mais detalhes. O episódio já me abalou o suficiente. Mas, posso avançar que se usa para não destruir o filete. Acreditem ou não.
Depois de uma boa redução (1h/2h), filtrar. Pegar nos restos do peixe e pass vite com eles. Este é o segredo número um. É ali que estão todos os sucos, Brillat Savarin descreve o processo como "guram". Filtrar tudo de novo e reservar.
Num tacho, um pouco de cebola roxa, alho, bacon, um pouco de manteiga e azeite. (L.A.E, a trabalhar para um novo máximo histórico de Colesterol, a única taxa no pais que mantém um crescimento constante). Quando a cebola estiver quase a caramelizar entra um shot de Martini Extra dry. Aos poucos, vamos introduzindo o caldo nº1, começando a transformar este segundo tacho no caldo nº2. O truque de introduzir concha a concha, é porque temos total controle sobre o que estamos a fazer até atingirmos o ponto de sonho. Nesta altura, entra um dos meus electrodomésticos preferidos: a varinha mágica. Sendo que depois, esta vossa tentativa, frustrada, de Harry Potter volta a filtrar. 4 horas já L.A.E mandou abaixo. Só custam as primeiras duas horas, depois é o voo do concorde.
Para fechar o prato, tomate cherry cortado muito pequeno, pitada de sal, azeite, vinagre balsâmico. Grelham-se os filetes, com sal e umas gotas de limão galego no final. Gotas. Use-se a delicadeza de quem compra pinças em perfumarias. Para efeitos de televisão: Prato de sopa rústico, aro de apresentação, tomate bem comprimido, retira-se e limpa-se o prato. Com muito cuidado colocam-se 2 conchas de caldo nº2, para não destruir a torre de babel de tomate. Em cima cruzam-se dois filetes. O comensal, ou bárbaro, (a estas horas só um bárbaro terá resistido) desfaz o sonho em 10 minutos (consigo em menos), depois de umas 5 a 6 horas de trabalho.
Diz-se que é ver Nápoles e morrer. L.A.E diria que não existem voos directos e mais vale escalar o peixe.



Comentários

  1. Ah!Ah!
    Isso é que é. Tás tramado. Arranjaste cá um caldinho.
    eheheheh

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  2. É sim senhor a peixaria Almeida e fica na travessa da rua da Praia. E já agora no mercado da Graça para além de muitos outros excelentes, nossos produtos, encontramos muito bom peixe.

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  3. gostei especialmente da parte do shot de martini extra dry :D

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