O Natal de L.A.E



















A altura de Natal é um pouco deprimente. Não obstante as músicas, o boas festas, o consumismo, as luzes, meu Deus, as luzes que estão montadas na minha rua desde o dia 26 de Outubro, ainda se come, assim, para o mal. Embora só conheça dois ou três natais, também já ouvi vivas descrições de outros, qual telejornal da TVI. Envolve pé e chinelo, que se já é mau no Verão, imagine-se no Natal?
Como sempre, e por falta de uma verdadeira cultura de ceia, cada cabeça merecia, de facto, a sua sentença. Por isso, nas várias mesas vê-se uma enorme e incoerente variedade de pratos e ausência tronco comum de ingredientes. O Bacalhau, para mim presença sagrada na consoada, qual menino Jesus nas palhas deitado, não existe na consoada de L.A.E. Não cozinho nesta data, mas já cozinhei uma vez. Claro, mergulhado na habitual e profunda incoerência, servi um caril verde. Para além de bom, foi estúpido. Mas era jovem e no limiar da delinquência. Se tivesse idade ia preso. Na altura, tinham mais razões para me prender do que a Vale Azevedo. Metida mais uma patada, a consoada deve ser levada a sério, fazendo-nos mergulhar profundamente na tradição. Parte do Natal será o reviver, mais preciso possível, de rituais ancestrais em família.
Diz que o bacalhau está caro, mas se houvesse uma vez por ano, para cometer esta excentricidade, seria esta. Desculpas de mau pagador. Depois o Peru, que é para o seco. Desculpas de cozinheiro mau pagador do deficit técnico. A partir daqui ficam portas, janelas, frinchas e postigos abertos para entrar todo o tipo de bicharada. Então se o Peru é para o seco, já o Porco, igualmente em textura madeira, já é aceitável? E este é só um exemplo. Nem quero entrar, pelo mesmo buraco que entraram esta ideias, (é Natal, não vou adjectivar). A falta de uma cultura alimentar e gastronómica, faz com as pessoas se desculpem por não cumprir a tradição, mas também se desculpem quando, por incompetência, cumprem mal a tradição.
No mundo da cozinha caseira, vale tudo menos arrancar dentes. Diz-se, que quando se entra numa cozinha profissional, jamais de volta a passar a porta daquele e de todos os restantes restaurantes do quarteirão. Já entrei muitas vezes neste tipo de cozinhas e nunca o fenómeno me contagiou. Mas L.A.E, já entrou em muitas cozinhas caseiras, que das quais só não saiu de maca para o Hospital do Divino Espírito, por milagre do dito. Talvez estivesse lotado naquele dia.
Não há força de inércia, mesmo a descer, que consiga acelerar este marasmo culinário. Ratatui instalou o conceito de: anyone can cook. E agora, anyone can cook.
Mesmo assim, preste-se atenção ao lado Tim Burton da coisa: creio que o pequeno rato, que tanto arreliou A.E durante o filme, servia de exemplo para dizer que todos podem cozinhar. Mas, sem lágrima no olho, com trabalho, empenho, aprendizagem, técnica. Não é assim do pé para mão, que alguém se levanta a meio do Benfica-Porto, qual Zombie, e começa a cozinhar como o rato, qual milagre de Fátima. Nem a Fátima, pode pensar que cozinhar é fazer umas massas, onde mistura com claro exagero, queijo. Mau queijo, e uma carrada de ingredientes, que estavam no frigorífico em modo: encomendem a minha alma. E claro, muita nata, que com o queijo funciona tipo soda caustica, apaga tudo. Isto não é cozinhar, isto é comer. Comei e reproduzi-vos.
Não é que os jantares de Natal de L.A.E sejam maus, porque não são. E ter a família reunida é a cereja no topo do bolo. Até porque, não estou aqui para mandar recados a ninguém em particular, mas sim a todos. Acredito que é urgente melhorar a nossa cultura gastronómica e alimentar. Se não somos o que comemos, então que exemplo tirar da América?
Mas tudo isto não faz que L.A.E esteja prescrito da lista de jantar do Pai Natal. A refeição em casa dos meus tios Olga e João, dia 27, é um mimo. Vale a pena esperar 1 ano inteiro por ela. E já desenvolvi uma relação de maior afecto pelo repasto, do que pelo Natal, musicas, luzes e presépio todos juntos. Um bom bacalhau, feito de um modo clássico, bem demolhado, creio que em leite, com os alhos fritos no azeite, e com o ovo. Não esquecendo todos os outros. Um must. Depois, segue-se uma Alcatra, feita à séria. A Olga é da Terceira e diz que ultimamente anda a roubar no jogo. Se rouba, L.A.E não o sente no prato, que faz questão de comer, apenas, com a excelente massa sovada. A mousse de chocolate é um clássico, que para mim fecha esta excelente refeição, que já é servida desde que me lembro de existir. O vinho sempre do aceitável para cima. O serviço é melhor do que em muitos restaurantes, para já porque estamos em casa e depois porque é à Francesa*, o que torna as coisas mais fáceis.
Quanto à frequência do estabelecimento, aí L.A.E tem que ser totalmente sincero, não trocava um único destes clientes por ninguém deste mundo. Nem faltava ao jantar, mesmo que tivesse reserva no ElBulli. O mesmo se passará em todas as casas dos Açores e do mundo.
Consideremos estas duas últimas linhas um cessar fogo de Natal. Boa consoada.



















* (No serviço à francesa os convivas servem-se de travessas que estão espalhadas na mesa. O tradicional serviço tipo restaurante, é denominado: à Russa. Isto da ignorância toca a todos, particularmente a L.A.E e em muitos aspectos.

Comentários

  1. já sabes a minha opinião sobre o folclore natalício :) quanto às refeições, em casa dos pais come-se sempre bem, mas dos tios...ai, que suplício, como sempre um snack antes, para depois disfarçar a coisa lol

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  2. Ohhh Luis Anton Ego. Miesmo que me tengas yamado palhácio, me gusta las críticas. Porque no me dás un oultra oportunidad?

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  3. O serviço à Russa meu caro esta hoje instinto, por ser politicamente incorrecto e economicamente insuportável para alem temos o Francês e Inglês que pode ser directo e indirecto se não me falha a memória. e o que se pratica nos restaurantes é serviço Americano ou vulgo empratado.
    O mais relevante no serviço é mesmo a relação entre o soufle e o hard steak as ferramentas e a condução depende do piloto.

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  4. Ora que temos aqui 3 comentários interessantes.

    1. Maninha, num acto de contrição devo informar que até agora comi melhor do que esperava e o melhor jantar ainda vem hoje. Humildade não fica nada mal. Por isso, ainda não tive que me virar ao snack.

    2. É com enorme surpresa que vejo o Chef Chakall por aqui. Bem vindo. Cada minuto que passar a ler este blog, é menos um minuto na cozinha. Nunca pensei que um blog pudesse fazer tanto pela humanidade.

    3. Caro anónimo. Vou ter que responder em duas partes, creio. Uma para me deter sobre a palavra instinto, que significa:
    1. Impulso espontâneo independente de reflexão.
    2. Tendência, aptidão inata.)
    Ou será que quis dizer extinto?
    1. Apagado; acabado.
    2. Dissolvido.
    Pode haver instinto no serviço à russa e o serviço à russa pode estar extinto. Embora me pareça, por razões de ordem contextual que queria dizer extinto. Ora, as teclas nem são de tal forma próximas, para que se possa aceitar que foi um erro a culpar no teclado. A partir daí, todo o comentário cai no descrédito completo. Mas vá mandando mais postais. não deixe "instinguir" esta vontade de comentar.

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  5. Coitado do Camões, seduzindo por uma tipa barata, como a Sharon Stone. Merecia mais e é de levar qualquer língua à "instinção".

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  6. Caros amigos o meu forte não é de todo a língua estufada, mas até gosto, de qualquer das formas até aceito umas aulas de Português em troca de umas aulas de algo que vos pareça capaz.
    Mas de facto tenho um teclado para a língua Suíço-Alemão. Além de mais, fiz o comentário num Domingo de manhã, na hora que me esperava um crepe de muesli com mel. Mas perceberam!!
    Não está extinto o meu instinto para comentar.

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  7. Até porque o objectivo é instigar a participação.

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