Jantar nº 9 do 10 Fest: E agora umas breves palavras sobre filha da putismo.

Como forma de recompensar e premiar o enorme espírito de sacrifício dos leitores deste blog tenho o prazer de publicar em primeira mão, e em exclusivo, uma pequena entrevista que o Chef Vítor Matos, do restaurante Largo do Paço, com uma estrela Michelin, teve a graça de me conceder no fim do seu jantar no 10 Fest.

- Chef Vítor Matos, você trabalha em Amarante não é?
- Sim!
- Ótimo, então não se vai ofender quando lhe chamar de filho da puta.

Realmente só um grande filho da puta terá o condão de fazer o que mais nenhum Chef fez este ano. Uma refeição impecavelmente consistente e criativa de ponta a ponta. Da primeira à última garfada. 
Chamar filho da puta a uma pessoa que teve um desempenho brilhante é um hábito que ficou da convivência com publicitários brasileiros, que quando categorizavam um trabalho de genial chamavam de filho da puta ao seu autor. 
Se formos a ver, mesmo num sentido mais português, um filho da puta é um tipo que nos dá um nó que não conseguimos desatar, como tal é irrepreensível. É por isso que o Vítor foi um filho da puta de um Chef. Mesmo tendo uma grande secção da sala, a dos repetentes, já cansada e fustigada por uma série de jantares, com tantos altos e tantos baixos. 
Se puder dar um exemplo, experimentem escrever a palavra filho da puta depois de andarem de montanha russa dez dias seguidos. 
O Chef Vítor encontrou uma sala cansada, zonza e arrisco-me a dizer, simbolicamente, sem fome. Completamente ao contrário dos gulosos que deve receber no seu restaurante todos os dias. 
Como tal, a sala era mais complicada, o elemento não era o seu e alguns dos ingredientes também não. Daí sentir, tal como faz qualquer bom filho da puta, que o Chef Vítor se refugiu em terrenos já muito lavrados. E o que interessa isto, se o fez no sentido e com a prioridade de servir um jantar sublime? E no fundo, no fundo não é o que todos os Chef’s fazem em ocasiões deste tipo?
Só que este foi muito melhor que todos os outros, esta é a diferença.

Dos 20 jantares do 10 Fest 2012/1013 este entra directamente para número 2. Se a memória não me atraiçoa o Aimé continua em primeiro. E explico porquê:
O Aimé, que é também um grande filho da puta, mas como vem embrulhado em maneirismos cavalheirescos sentimo-nos obrigados a tratar por Senhor, teve uma preocupação muito maior em enquadrar os Açores e os produtos regionais. E fê-lo com enorme sucesso, como só um Sr. filho da puta conseguiria. Já o Vítor, podia ter vindo aos Açores ou a Alcabideche, era o mesmo. Para estes senhores do norte, de Coimbra para baixo era queimar tudo, como tal, pouco importa e isso reflectiu-se na falta de Açores.
Agora a pergunta do dia:

- Quando me servem uma refeição tão consistente, e nivelada por cima, a regionalização é deveras importante?

Quando jantei em Hospital Road no restaurante 3 estrelas Michelin do Chef Gordon Ramsay, ou mesmo no Dinner do Heston Blumenthal, considerado o 7º melhor restaurante do mundo, queria lá ou teria eu a capacidade de dizer onde estava, ou que tipo de gastronomia comia eu? 
Estava no céu. 
No céu não se fazem perguntas tão complexas, nem se questionam muito as coisas. É isto que acontece quando um filho da puta nos arrebata. Queremos lá saber. 

Quem não passa deste patamar e é só um cabrãozeco ou um sacaninha, questionamos tudo e mais alguma coisa. Estava bem feito? Aquilo fazia sentido ali? Veio cru demais. Veio feito demais. Eu sei lá, até a disposição dos talheres pomos em causa.


Já um filho da puta é Deus. E só Deus é capaz desta dupla graça, cozinhar uma refeição irrepreensível e mágica e conseguir perdoar a quem lhe chama de filha da puta. E em boa hora o fez, não fosse o Vítor quatro de mim.






















O Atum parecia um Kobe steak. Havia Cavaco escondido, e o creme beterraba unia tudo.


O Gaspacho, que logo à partida é uma coisa que não gosto nada, estava sublime. Contrastes de temperatura e texturas. Ao contrário dos outros jantares, em que me via obrigado a provar individualmente todos os ingredientes, aqui pude ser o javardo que normalmente sou, pois esta foi uma refeição à prova de javardos. Uma colherada cheia de tudo na boca e nada de perde. Todos os sabores estão lá, cada um por si, nunca chocando com outro, apenas se entrosam.
















Um dos pratos da noite. Mas carabineiro? Percebes? Esse marisco não é de cá. Não fariam sentido ali umas cracas? Da mesma forma que entrou o cavaco no toro de atum? Podia ter usado lagosta ou lavagante, mas usou cavaco dos Açores.
Bom enfim, que se lixe, estava absolutamente divinal.




Para mim a nota 10 da noite. Rabo de boi com pargo. Raramente estes dois mundos se conjugam. E muitas das vezes em que tal acontece dá derrocada ou tsunami. Perfeito equilibrio de um molho de carne que normalmente é bastante robusto. Mas parece que se foi descomplexificando até não apresentar ameaça ao sabor fino e delicado do pargo.





Este prato parecia ser o mais básico. E até certo ponto era. Para mim, foi também a prova última de que apregoamos aos quatro ventos a qualidade da nossa carne, mas depois não fazemos nada de jeito. Esta carne foi maturada 15 dias. Que sabor meu Deus. Mas cá se entramos num restaurante e perguntamos sobre a carne: 
- Veio ontem do matadouro. Está fresquíssima.
Mas também ouço isto nos talhos. Agora podemos nós criticar a falta de conhecimento generalizada, quando se entra num talho e se pede carne do ramo grande e nos respondem:
- o que é isso?
Não vale a pena. Baralha e dá de novo. Isto se souber jogar ao burro.



- E o que dizer desta sobremesa?
- Filha da puta.


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