Este risotto é como a malta que vive em Almada. Estão a 20 minutos de Lisboa, mas levam 2 horas a lá chegar.


Ontem saiu o Guia Michelin de 2013 para França.
Para comemorar a minha falta de paciência para voltar a falar do tema, resolvi fazer um risotto que já há muito estava engatilhado. É uma receita do Heston Blumenthal e é um risotto de beterraba. O Heston faz com espiga de trigo, mas é ele próprio que diz que o podemos fazer com arroz arborio ou carnaroli, que é o meu álibi em relação ao abastardamento da receita original. Lá em casa o carnaroli é visto como uma bela mulher, da qual não temos qualquer vergonha de chegar a uma festa onde estão os nossos melhores amigos, já o arborio é uma espécie de Ana Malhoa, a quem damos 20 euros para desaparecer no próximo táxi. Ambas são filhas de deus e mulheres, tal como ambos são arroz, mas um tem personalidade, amadurece maravilhosamente com a idade e tem uma trinca fabulosa, pois o bagos conseguem preservar muito mais a sua individualidade e identidade. Já o outro é como uma gaja que aparece às oito da manhã na televisão a cantar músicas de segunda para crianças, em calções de cabedal apertados, tendo ao lado um tipo disfarçado de vaca.
Todos os chef’s atuais apelam a uma cozinha com produtos frescos, confeccionados com rigor para manterem a sua estrutura e conteúdo nutritivo e que principalmente é tudo muito fácil e rápido. Como magia. Parece-me óbvio que estes chef’s não cozinham todos os dias para as suas famílias, da mesma forma que me parece óbvio que quando se tem uma equipa de produção de 10 pessoas, que monta um intricado “mise en place”, para que o dito chef possa fazer em 15 minutos de televisão tudo de uma forma muito simples, saborosa e rápida que até nós em casa podemos fazer.
Embalado pela inabalável crença de que é feio mentir, decidi fazer, a meio de uma exigente semana trabalho a receita de risotto de beterraba do Heston. 
Valeu o trabalho e o stress?
Este é um risotto que entra para o meu portfólio, junto ao de alheira, junto ao tomate com chicharros panados, junto ao Milanese, junto ao de cogumelos? Sim, sem dúvida. Porque é diferente. 
Não começa com um refogado de cebola e é finalizado com uma manteiga acidulada, cozinhada em cebola. O método foi descoberto por Carlo Gracco, creio eu. Logo aí é diferente, fica mais leve, menos fundo e claro está faz sobressair o sabor, até certo ponto, delicado da beterraba. Muito bem acompanhado, diga-se, pelas delicadas notas ácidas da salada de funcho com vinagreta de mostarda, pela beterraba pickle, pelo creme de horseradish (rábano) e no meu caso, como não tinha a espiga de trigo e para não perder a nota de fruto seco; pinhões torrados.
O prato funcionava no seu todo. E um risotto é uma coisa que se faz em 20 minutos, se não fizermos a soma das partes, claro.
• Caldo de galinha - 2 horas e 30 minutos.
• Manteiga acidulada - 15 minutos ao lume + 20 de infusão + 30 de frio.
• Salada de funcho com vinagrete de mostarda - 15 minutos.
• Pickes de beterraba - 10 minutos + 30 minutos no mínimo de espera.
• Creme de Horseradish - 1 hora.
• Risotto - 20 minutos
• Empratamento - 5 minutos.
Ou seja, estamos a falar, mesmo que tenhamos tarefas sobrepostas, ou melhor entrepostas, de um risotto que não se faz em meia hora, ou sequer uma hora. Compadece-se com responsabilidades profissionais e parentais a meio de uma semana?
Se me perguntassem ontem, quando o “mise en place” ficou pronto para fazer o risotto respondia mandando singelamente alguém à merda. Se me perguntassem hoje diria que a vida passa depressa de mais para nos darmos ao luxo de não fazer este risotto.

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