Porque é que tanta gente não gosta de tantas coisas, no que a comer diz respeito? Existe um fundamento ou objetividade por detrás disso?
Não.
O gosto é, basicamente, um jogo de memória, percepção e preconceito. E é também um castelo de cartas.
Castelo de cartas porque não há nada na realidade que suporte a edificação do gosto para além daqueles 3 fatores. Muito pelo contrário.
Numa experiência realizada a doentes que sofrem de Alzheimer, foi curioso verificar que pratos que levavam um não like, passavam a like no dia seguinte.
A ausência de uma memória que agrafe, ou preconceitualize, definitivamente um prato ou um ingrediente torna complicada a construção do gosto, enquanto critério, pelo menos.
Este jogo, que alia percepção ao preconceito cultural é terrível. Para nós será horrível comer uma barata. Já para outras culturas comer um camarão é igualmente repulsivo. A coisa vai tão longe, que culturas que não estejam habituadas ao consumo de produtos lácteos e à sua transformação em sobremesas, por exemplo, conseguiria vomitar só de olhar para uma.
Então que raio é isso do gosto?
Porque é que, noutra experiência científica, se provou que começamos a gostar de um determinado ingrediente a partir de um número exato de vezes que o comemos?
Porque é que determinados pratos ou ingredientes, talvez sujeitos a um preconceito inferior, são tão mais apreciados, quanto mais os comemos? A minha relação com pera abacate, rabanetes, cogumelos e muitos outros ingredientes cresceu nessa base da porrada.
Porém, conseguimos não gostar indefinidamente de um ingrediente que só provamos uma vez, ou mesmo nenhuma vez. Nunca o ditado umas são baratas, outras são baratas do “mar” fez tanto sentido. Até porque nenhum ingrediente, num mundo onde globalmente se come tudo o que se mexa, merece tamanho desamor.
Em condições normais apreciamos tanto um patê de sapateira, como um japonês um patê de barata. Se nenhum estiver identificado e eu preferir o de barata? Como é que o gosto, leia-se, o preconceito e a percepção irão lidar com este fato?
Provavelmente faria com que cuspíssemos o patê no segundo seguinte a sabermos que era de barata. Afinal gosto do que gosto ou o preconceito é o meu gosto?
Quantas pessoas, pelas quais nutríamos uma antipatia inicial, nos tornamos grandes amigos depois de nos conhecermos melhor?
Aliar o preconceito à percepção e à memória forma a combinação com o pior gosto da história. Não é arquivo, mas sim uma espécie de prisão onde voluntariamente nos encarceramos.
É por isso que o gosto devia ser muito mais relativizado. O que não gostas não é assim tão importante. Importante é tudo aquilo que podes vir a gostar se despreconceitualizares a forma como olhas para a comida.
O camarão já está barato, não precisas de o comparar a baratas para ficares com ele todos para ti. :p
ResponderEliminarPs- hoje ao passear na praia entrei numas pedras mais ao fundo cheias de algas do mar. Enquanto mostrava á descencendia o habitat natural das lapas e afins só me conseguia lembrar que aquele cheiro a mar e maresia já não eram só daquela praia - era também um prato do Aimé Borroie!!
eheheheh! Apesar de desconfiar quem seja este anónimo, não será por isso que não deixarei de reconhecer o brilhantismo deste comentário. O jantar do Aimé foi uma lição de vida, para além de uma excelente refeição. O prato que referes e que para mim foi o ponto alto, é muito mais do que um prato. É uma história. A nossa história. Nele não estava um mero caldo, ou um peixe feito na pedra, estava o Verão, os mergulhos, o mar a bater nas rochas, os gritos das crianças na praia, a maresia, as cracas, as lapas ao fim de um dia de praia e um mar sem fim. Aquele prato resumiu em muito a alma açoriana.
ResponderEliminarÉ um prazer perceber que Aimé foi um contador de histórias tão impecável que conseguiu passar a mesma ideia a muitos de nós que tivemos o prazer, a sorte e a saúde para o apreciar.