Como pode um prato contar melhor a história de que a própria história?

Devo confessar uma coisa, ou duas. Primeiro, a última vez que jantei no Tavares ainda foi no período do Avillez. Segundo, quando vi a primeira ementa do Aimé Barroyer, no Tavares, fiquei um pouco perplexo. Achei confusa e extensa. Terceiro, normalmente quando um restaurante que tem uma estrela Michelin e fica sem o Chef que ajudou a conquistá-la, perde a distinção. O Tavares manteve-a. Mas será que na realidade manteve a estrela ou perdeu-a? Depois do que experimentei no último jantar do 10 Fest, do Chef Aimé, fico de fato com a sensação que a perdeu. Ora vejamos, se com as restrições que teve a nível de tempo e ingredientes, produziu, o que para mim foi uma das melhores refeições da minha vida, diria que em condições ideais, que não outras que as do Tavares, o Chef Aimé estará claramente no patamar das duas estrelas Michelin. E provavelmente seriam duas estrelas que o Tavares teria à porta, se não estivéssemos a falar de uma transição de Chef’s. Como tal, o restaurante mais antigo e, já agora, o melhor de Lisboa foi penalizado com a perda de uma estrela, das duas que quase de certeza teria, ficando assim apenas com a uma que tem. Aconteceu o mesmo com Ferran Adrià quando assumiu o ElBulli, para nos anos seguintes ir buscar uma, e mais uma e mais uma e mais uma existisse. Por isso, fica a quase certeza que o Tavares, pela mão do Aimé vai chegar às duas. Como tal, podia falar do menu, dos pratos, de detalhes, do vinho, no fundo de tantas coisas, num esforço homérico para montar um puzzle de 30000 peças, só para reforçar a ideia do inimaginável de magnífico que foi o jantar do 10 Fest. Mas não. Chega-me um prato e um parágrafo para contar a história, que tão bem foi relatada pelo Chef Aimé. Aliás, não é bem uma história qualquer. É a nossa história. Nesta história não entra um mero caldo do mar, feito com chá da única plantação da Europa, no Porto Formoso, Açores. Ou sequer, uma Escamuda feita numa pedra de basalto. Entra sim o Verão, o cheiro a maresia, os mergulhos dados no calhau, os gritos das crianças a brincarem na praia, as lapas, os búzios, os caranguejos comidos à mão logo após apanhados, o som das ondas, o mar a bater nas rochas, cracas no fim de um dia de Sol e um mar, um mar sem fim. Aquele prato resumiu em muito a alma açoriana e a sua relação com o mar. Não ter sido eu o único a sentir o mesmo, prova o quão bom contador de histórias foi Aimé, e por isso e muito mais foi um prazer e uma sorte poder, mais do que ouvir, sentir a nossa história.

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