Comicinema Parte IV - Amour


Com o último fim-de-semana do Inverno à porta, altura ideal para ver filmes e investir um pouco mais na cozinha, não podia deixar de fazer uma sugestão de emparelhar uma refeição com um grande filme.
Mas que grande filme, diga-se. Chama-se Amour. Ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Óscar para melhor filme estrangeiro e se estivesse inscrito no Guia Michelin, ganharia certamente as 3 estrelas. Não que haja grande coerência ou concrodância entre uma Palma de Ouro e o melhor filme estrangeiro nos Óscares. A Palma de Ouro, tal como a cozinha francesa, é rigorosa, séria, promotora da qualidade, também exagerada e quase ob  sessiva, já os Óscares são comida de rua. Uma espécie de lotaria cinematográfica. No meio de 20 roulottes vamos comer extraordinariamente bem apenas numa delas. Os critérios são um tanto o quanto omissos e como tal os resultados apontam sempre para uma certa banalização do gosto e o seu alinhamento é feito por baixo. Lá está, depois em 20 Óscares para melhor filme há de facto um muito bom. Ao passo que uma Palma de Ouro, mesmo de 1943 continua a ser um filmão. 
Amour é um filme, como o nome indica, sobre o amor. Amor na terceira idade, amor na fase terminal da vida. Amour é um impressionante e rigoroso documento. Michael Haneke, que vai na sua segunda Palma de Ouro em 3 anos, parece que caiu num poço, quando era pequenino, que só tinha filmes do realizador francês Robert Bresson: contido, austero, seco, meticuloso. Não há um único segundo de filme a mais, mas nem um a menos também.
E há aqui uma curiosidade gigante chamada França. O filme é produzido em França, mas o realizador é Austríaco, tal como o croissant, que é na verdade austríaco, mas que foi apropriado pela França.
Partindo do princípio que as sessões de comicinema promovem sempre um certa informalidade gastronómica, até porque têm de ser coisas simples de se comer, pensei que fazer um prego em croissant não seria uma má ideia. Ora, se o brioche funciona maravilhosamente bem para um hambúrguer, porque não haveria de funcionar uma croissant para um prego? Bem sei que um ponta de lança não joga tão bem a defesa central, mas convenhamos que o croissant faz essas duas posições com grande mestria, não fosse ele manteiga, manteiga, manteiga. Mas será a suficiente?
Não.
Daí fazer um molho holandês, curiosamente, também roubado pelos franceses, para em sinal de cortesia, o oferecerem ao Rei da Holanda aquando da sua visita à França, e que acabou por se tornar num dos 5 molhos básicos da gastronomia francesa.
Mas isto quando é à francesa, normalmente é à grande, por isso, desapertem os cintos. 
Forno ligado para aquecer ligeiramente o croissant. É essencial encontrar um croissant que não seja um pão de leite. Sei que sou dado a pormenores complexos como este, mas de facto, não pode ser um pão de leite. Faz-se o molho holandês e reserva-se. Numa frigideira bem quente marcamos um bom bocado de foie gras, sai. Na mesma frigideira entre um bife do lombo fino, que sai quase tão rapidamente como entrou, aproveitando o sabor do foie. E uso lombo, apesar de achar a vazia mais saborosa, porque a textura se presta melhor ao prego. É mais fácil de trincar sem destruir o croissant.
Depois é só montar: Abre o croissant, molho holandês, bife, foie, fecha o croissant.
Portanto, temos manteiga no croissant, manteiga no holandês, o bife com textura amanteigada e um foie que faz lembrar uma refinada manteiga no seu sabor. Que melhor elogio para um filme realizado em França, por um Austríaco, que algures na sua árvore genealógica pode ter um tetra avô padeiro, exatamente o responsável pela invenção do croissant? Retorcido? 
Não tanto como o filme.


Comentários

Enviar um comentário

A sua opinião é importante para nós. Por favor, aguarde, todos os nossos postos de atendimento estão ocupados de momento. Por favor, tente mais tarde.