Especial Paris :: L’Arôme




O restaurante L’Arôme ganhou a sua primeira estrela Michelin em 2009. Como conseguiu aguentar um ano, L.A.E não sabe. Como irá manter a estrela depois deste post é fácil. Caso ainda não tenham percebido este é um blog idiota e isso explica muita coisa. Até a manutenção de uma estrela Michelin num restaurante que não a merece.
Só para dar um exemplo parvo, como é apanágio deste apeadeiro, a caminho de Paris, L.A.E esteve no restaurante Panorama, no último andar do Hotel Sheraton. A vista ganha 15 a 0. O serviço quase pela mesmos números. E a comida é muito, mas muito melhor. Do ponto de vista de execução, conceptual e criativo.
E repare-se que L.A.E não aprende à primeira. Por isso, voltou ao Panorama e confirmou que o L’Arôme é um embuste. Um Zézé Camarinha capaz de prometer muito, mas que no fim é um homem na casa dos 60. Nada a fazer.
Thomas Boullault, o Chef do L’Arôme, só tem trinta anos, mas porta-se como um Zézé Camarinha com uma estrela no engate macho latino.
Este prelúdio, a rebaixar Thomas para o nível de L.A.E tem o propósito de sempre: abrir a porta à argumentação mais vil, cruel e aleatória. Das duas uma, quando L.A.E paga tanto por um jantar, como em tantas coisas na vida, ou é bem servido ou tem direito a falar mal.
Aqui assiste-me o direito precário de falar mal, pois quem escreve como este blog documenta também não tem muita boca de abrir.
Escolher do guia Michelin um restaurante em Paris é um pouco como escolher uma namorada russa por catálogo. A escolha é muita. E o critério de selecção directamente proporcional ao da opção de uma fila de supermercado. L.A.E vai sempre para a caixa que encrava.
E no caso do L’Arôme a história escreveu-se recorrendo ao plano de austeridade narrativa: L.A.E escolheu a fila errada.
Apesar de ter lido atentamente o guia, críticas, opiniões e outras coisa dentro do conceito wikilabrego, apercebo-me que, na realidade, é tão fácil enganar uma pessoa inteligente e coerente, quanto mais um idiota como L.A.E.
Tudo parecia bater certo. Valet Parking, um bom ambiente e excelente decoração. O restaurante foi redecorado há pouco tempo. Mais uma dica para os Sherlock Holmes do palato: nunca fui a restaurantes extraordinários que tivessem sido remodelados recentemente.
Trazendo a Lili Caneças, a face polida de Zézé, ao lume, diria que esta se queima melhor do lado que não tem maquilhagem que disfarce a falta de intelecto gastronómico. Mesmo que consiga disfarçar.
Foi o que aconteceu no L’Arôme. Ainda me conseguiram distrair por uns instantes, com um chefe de sala transparente, que devia estar a tocar orgão com o corcunda de Notre Dame, em vez de andar por ali a assustar os pobres comensais e colegas.
Sustos à parte, há a registar uma mesa de americanos que pensaram que L.A.E era um crítico, só porque mandei para trás o amuse de bouche.
Não admira. Sentiram a tensão que houve no momento em que o serviço me perguntou o que achava do amuse e L.A.E disse: Cliché.
O empregado arregalou os olhos de forma quase ameaçadora. Vindo L.A.E de um bairro de lata, onde se mata para ter uma faca para poder matar, isto foi brincadeira de crianças: Oui. Un Cliché.
Não estava no roteiro L.A.E dizer isso. Para quem se pergunta porque falei nos americanos, a explicação vem agora. Porque no L’Arôme estão habituados a servir a americanos idiotas, que prestam vassalagem fácil ao que os seus dólares conseguem comprar. Daí não estar no roteiro paragens imprevistas em mesas de selvagens portugueses.
Mas L.A.E só se apercebe da catástrofe, quando vê o Chef a vir à mesa pedir desculpa e a dizer que vai fazer um novo amuse. Vivendo nos Açores, já vi muitos naufrágios, mas foi precisa uma temporada em Paris para ver um afundanço desta dimensão, ali nas estreitas margens do Sena.
Que descontrole emocional terá sido aquele? Vir à mesa por um amuse? Quando ainda tem 10 pratos para provar o seu valor? Um amuse que é a coisa mais fora do baralho que nos pode ser apresentada? A peça onde legitimamente te podes defender atrás do simples: não me compreenderam!?
No fundo, agradeço pelo facto do Chef não me ter batido, atitude até certo ponto compreensível. Quem não gostaria de agredir fisicamente L.A.E? Porém, a atitude de se subjugar a um pseudo crítico levantou muitas questões sobre a confiança que o Chef tinha em estar no patamar que supostamente devia estar.
Uma vez, no Tavares L.A.E rotulou o amuse de insípido, quando perguntaram a opinião. Não foi por isso que o Avillez saiu da cozinha e veio chorar no meu ombro. Desprezou-me. Mostrou:
1. Toda a gente tem opinião. Até L.A.E, sabe-se lá porquê?
2. Carácter
3. Cozinha excepcional
A moscas podem mudar a decoração, mas o L’Arôme é o mesmo. Por isso, diria que a estrela não vai andar por ali muito tempo. Era justo que fosse na bagagem de L.A.E para ficar no restaurante Panorama.
Mas nem tudo foi mau. Passado o episódio do amuse, que gerou outro amuse melhor, mas que não era amuse. Tinha, pelo menos, umas 4 ou 5 dentadas. no meio desta confusão e recíproco embaraço, houve coisas interessantes:
Ora cá vamos.
Amuse (1) – Uma espécie de bolinhos de queijo. Seria um couvert e tudo se resolvia. Mas não. Foi servido couvert e depois este amuse.
Amuse (2) – Um interessante caldo, com massa fresca e legumes. Tecnicamente não era um amuse. L.A.E não inspeccionou a lista, porque não tinha o mal em si, mas provavelmente foi um prato da lista, servido em versão Topo Gigio.
Entrada (1) – Como qualquer mau filme, pelo menos há um momento alto. Nem que sejam os créditos finais. Neste caso, a epifania até aconteceu cedo, mas tarde depois de tanta peripécia. Gelatina de toranja, com um wrap de nabo (tecnicamente surpreendente) com rabanetes, caranguejo real e estragão. Apaziguadoramente triste. É verdade que toda a experiência gastronómica tem muito de psicológico e não há como dar a volta. Não estava a correr bem.
Era preciso um danoninho para L.A.E sentir que não era mais idiota do que na realidade pensa ser. Apesar da aparente ilusão, a verdade é que a idiotice é como o universo. Não tem limites.






A provar veio a Entrada (2). Lagostins com brunesa de legumes e caldo. Dizer que estava mal executado extraditaria L.A.E do inferno para um lugar muito pior. Mas é só isso. Mais nada a relatar.
Entrada (3). Lagosta com abacate. Uma apresentação excelente, mas bolas, como não cair em total desespero com tamanho lugar comum? Num lampejo de honestidade, diria que num caso destes quando dizem que ir a certo tipo de restaurantes é caro, L.A.E é obrigado a concordar. Mas onde dói mais é no orgulho. Neste jogo de altas apostas, uma má escolha fere tanto a carteira como o Ego de Luis Anton.
Prato (1). Veio o cerco, o embargo e a fome que virou fartura. Um cherne com espinafres bebé e espuma de anchovas. Brilhante, em euforia bipolar.
Insisto na nota do inadmissível que é ter o melhor cherne do mundo nos Açores a ser cozinhado de forma irrepreensível e a um nível excepcional a quase 4000 km de distância. Dá deus pescado a quem não tem dentes.
Vendido a soldo, qual bom bordel, L.A.E partiu com renovada mini esperança para o prato seguinte. Será que consigo dois clientes numa noite?
Consegui.
Prato (2) – Secretos de porco preto (que estão muito na moda aqui em Paris) com legumes laminados, alho em várias texturas, mostarda, limão e uma erva adocicada que até hoje não sei bem o que era, nem nunca tinha provado. Assentei o nome em francês, mas sendo a caligrafia de L.A.E ao nível da escrita desta blog, rapidamente se percebe que se tornou numa missão impossível perceber ao certo que erva era.
Mas anda ali de volta do funcho, com o doce do ruibarbo. Talvez a folha ou espiga do próprio? Pouco interessa quando o resultado final é excepcional. L.A.E não gosta muito de pratos doces e salgados. Mas o equilíbrio entre os dois mundos, era uma espécie de tratado de paz realmente desejado. O salgado com ligeira sobreposição ao doce, mesmo em qualquer tratado há um que manda, tornava obsessiva a repetição. Muito bom.
Sobremesa (1) – Ou intervalo técnico. Tanto faz. Lá veio o queijo, que era bom e entrou no momento certo. No entanto, sempre sabe àqueles restaurantes de rodízio. Vamos lá para comer carne. Mas primeiro vem a coxa, a salsicha, o coração, a perna. Tudo cortes baratos e para encher o bucho.
Em França é o queijo. Sabe bem e fico-me por aqui. Não é coisa de restaurante conceptualmente evoluído.
Sobremesa (2) – Entre o queijo e mais um amigo comum venha o inspector Michelin e mate alguém. L.A.E ou Thomas. Ruibarbo, framboesas, crème fraiche e crumble de bolacha de manteiga.
Para o Petit Four 4 tipos de macaron muito bem executados mais uma vez.
Ficam duas ideias.
1. O L’Arôme tem uma cozinha muito limpa. Os sabores são cristalinos. As ideias são curtas e tudo o resto funciona bem, à excepção do sidekick do corcunda de Notre Dame.
2. Fica a impressão de que se falasse francês fluentemente até L.A.E podia ter uma estrela Michelin. Se o L’Arôme tem uma. O Tavares merece duas e o Panaroma do Sheraton uma.
E no fim lá os piratas descobriram o tesouro. O já muito massacrado cartão de crédito de L.A.E.




Comentários

  1. Caro LuisAnton ,

    pelo que percebo durante minha ausencia sua verve vai cada vez melhor ...já decidi :para que possa avaliar palavra por palavra dos seus registros de bordo ,o próximo fim de semana será dedicado à leitura de sua viagem a Paris ,com todos os seus saberes saborosos, pois estou a imprimir e a colocar em lugar de destaque na minha modesta biblioteca ,que fica inclusive , na cozinha .

    um abraço do seu leitor que se encontra abaixo da linha do Equador , com tudo de bom e de ruim que isso quer dizer,


    Pedro Botelho

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  2. Olá Pedro,
    Bom ouvir notícias. Esta casa de pasto tem sempre uma porta aberta, mesmo que a cozinha esteja fechada.
    Paris foi uma aventura e tanto e ainda tenho tanto para escrever.
    Um abraço da linha acima do Equador.

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