De volta para a Escola.















Luis Anton Ego é um personagem chato. Em versão de bom serviço: tem um sentido crítico apurado. Mas o nome da coisa é mesmo chato.
Este vosso comichoso de serviço é amigo de alguns donos de restaurantes aqui nos Açores, A Lota, A Colmeia, Colégio 27/Ponsi. Todos eles, e em campos diferentes, com uma nota de inovação.
Também todos eles já me ouviram, vezes sem fim, com relatórios extensos de observações e críticas. Deus lhes louve a paciência que eu não teria. Tento sempre apontar soluções, mas é no bater que tenho mais expressão.
Só no outro dia (L.A.E é tão lento como o próximo) uni as histórias sob um conceito comum: Todos eles podiam estar mais satisfeitos com os seus negócios.
Então o que está mal, para além da suposta conjuntura de crise, que não se sabe se existe ou não?
Tudo. Independentemente do nível da nossa restauração, sobre o qual não me vou debruçar agora, nós somos uns brutos. Não há volta a dar.
O debate começa com uma divisão clara entre o conceito de: comer para viver e viver para comer. Esta é uma linha que separa dois mundos.
Na Ilha de São Miguel somos cerca de 250 mil almas e neste momento, pertencem ao clube dos que comem para viver, exacta-ò-ficcionalmente, 249 mil máquinas de deglutir o que quer que se ponha à frente. E se tivermos 1000, mil que sejam, a viver para comer é muito. E é muito mesmo. Se fossemos 1000, o Carlos da Lota, o Neves da Colmeia, o Michael do Colégio 27 estariam, agora, mais felizes do que estão a ler esta lança em África de post. Mas não só eles. Todos aqueles que estão neste negócio de alma e coração e que tentam elevar a oferta da nossa restauração.
Já ouvi, ao vivo e em directo, ideias formidáveis para introduzir na ementa e conceitos inovadores. E quase todas elas falharam por falta de aceitação. É aqui que L.A.E se rende.
Por mais que entre pelo pormenor do serviço que correu mal, do prato ou da técnica, começa a deixar de fazer sentido dizer: ahhh, mas ela não tem um braço. Toda a Vénus do Milo está cair aos bocados, o que é que isso interessa?
Se fossemos mil, o que não faltariam eram braços capazes, na cozinha, no serviço e para coçar a cabeça antes de se terem ideias brilhantes. Bolas, se fossemos mil podia sair, sábado à noite, para comer uma refeição digna de estrelas Michelin e ao invés escrevo um amargurado post, a comer um Club Sandwich. (Ou menos valha-me isto: feito from scratch e by the book. Está divinal. *** No Guia Ai este Pneu.)
Isto também quer dizer que os outros 249 mil e tal estão a mandar no mercado. E quanto a isso, nada a fazer. L.A.E pode levar um burro, com sede, até à água. Mas não consegue obrigar o burro a beber. Não me quero arrepender da dureza da palavra burro, mas dói. Dói, ver o que se come e como se come. Dói ver a manifesta ignorância sobre os alimentos, sobre os ingredientes, sobre a sua confecção.
Meus senhores, se a educação começa em casa, a cozinha também. Cozinha e Alimentação devia ser uma cadeira curricular na escola. Escrevo muito a sério. E como sei que a Isabel Alçada, Ministra da Educação, não lê o meu blog, vou enviar este post por mail para o Ministério. Só que mais limpinho. Quem nos deu um imaginário como o dos Livros Uma Aventura, não merece ler uma porcalheira destas.
Mas vou enviar o mail porque acredito que só através da educação vamos lá. E aí falamos de um mal geral. São Miguel, Lisboa, Londres, Europa, Mundo. A diferença é que em cidades como Londres, libertam-se, à vontade, mais dos que os tais “1000”, alimentando assim uma verdadeira indústria de restauração.
Por isso, acredito que é de pequenino que se torce o pepino. (fica bem porque é um blog sobre comida, mas não entendo o sentido do torcer o pepino. O pepino é torcido?). Torcendo ou não, temos que ser mais pedagógicos e didácticos.
Já alguma vez pensaram sobre a quantidade de amigos que temos, em comum, que sofrem de problemas em relação a determinados ingredientes? Não gosto disto, não como aquilo, que horror! L.A.E come e experimenta tudo, mas reconhece que existem extremos do não gostar. Porém, no corredor central, encontram-se esquisitices que não fazem sentido nenhum. E depois, torna-se uma problema quase neurológico. Quando estas esquisitices não são verdadeiramente fundamentadas, a coisa alastra-se como um vírus redutor da experimentação e do palato. E apesar deste ser um gravíssimo problema, não é o principal.
O principal é que vivemos numa época de total laxismo no que diz respeito à tradição da vida de casa. Decidiu-se viver mais depressa, para ganhar dinheiro mais depressa, para morrer mais depressa. Tendo em conta o mundo em que vivemos, é uma táctica de menor sofrimento. No entanto, abandonaram-se tradições e rotinas, que tanta falta já estão a fazer no modular de uma geração que bem se alimente. E só piora com o tempo, pois vão perder-se os ensinamentos e praticas. L.A.E prevê que depois de passar a moda da cozinha, muitos voltem para os seus iates e campos de golfe, e que daqui a 400 anos, cozinhar será um ofício tão específico, como dentista ou arquitecto. Ninguém vai saber cozinhar. Reparem bem no detalhe: com o passar do tempo cada vez se vê menos a figura do bidé na casa de banho. O próximo passo é a cozinha.
É impressionante a quantidade de comida congelada que se come nesta terra. Os nossos hambúrgueres congelados são horríveis, as nossas pizzas são....não são. E não quero ir por aí.
Come-se tão mal, mas tão mal, que não deixa de me espantar quando me perguntam como é que, apesar de viver para comer, estou no nível de peso correcto para o meu tamanho. Não é dieta. É bem mais fácil. Muito mais.
Basta não abrir a boca para comer porcaria. Ser criterioso com o que se come. Diria que isto é o princípio de tudo, porque estimula a procura e a aprendizagem. Entrando neste jogo com seriedade, têm-se muitos dissabores, passa-se, às vezes, alguma fome, mas também se passa ao patamar seguinte. E a partir do momento em que começamos a comer bem, garanto que ninguém vai querer voltar atrás. Dispenso a clássica piada Gay que viria a seguir.
Assim sendo, L.A.E entrou numa nova guerra: Introduzir a cozinha/alimentação no currículo escolar. E por mim, da primeira classe, ao 12º. Obrigatório. Opcional nos cursos superiores. E com cursos à noite. (Chakal, não tenho nada contra ti. Tens graça quando uso o teu nome. Não é nada pessoal). Uma cadeira como Cozinha e Alimentação, faz muito mais sentido do que algumas que por lá andam. E tenho a certeza que não estou sozinho. Por cá, não chegam a mil, mas todos juntos já fazemos um bom coro. Nunca esquecendo que o objectivo é evoluir e “nós somos aquilo que comemos”*.

*
Como eu gostava que esta frase fosse de L.A.E, mas não, é de Brillat-Savarin, uma espécie de leitura obrigatória na escola onde eu ando. Autor da Fisiologia do Gosto.


Comentários

  1. Meu caro LAE,

    Este post é de se lhe tirar o chapéu. Ou o turbante, se preferires.
    Bem rasgado!

    Abraço,
    C

    P.S. Vou contigo para a luta e, se for necessário, chamamos o Falâncio e o Neto.

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  2. e LAE,
    Acerta-me o relógio: quase duas da manhã.
    ;)
    Abraço
    C

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  3. Tiro-lhe o turbante por ler este post. E a estas horas. Pede uma ceia.

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  4. Só um pequeno reparo: em S. Miguel somos à volta de 140.000, 131.000 em 2001, para ser mais preciso. De resto eu assino por baixo!

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  5. Caro Jordão: O meu duplo agradecimento. Primeiro pela correcção ao números imprecisos. Segundo, por ser seguidor deste humilde blog.
    Acrescento um terceiro: Parabéns por um dos maiores e melhores blogs dos Açores. É insistir!
    Abraço, L.A.E

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  6. Bom, depois de um elogio destes pouco há a dizer. A não ser que o vinho sempre foi um grande aliado do Candilhes.

    Um abraço e continue com a sua escrita que nos alimenta com muita qualidade.

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  7. BORA infiltramo-nos cada um num partido politico e introduzir essa ideia nos programa de governo. !!!

    LOL

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  8. Lol. Diria que isso, ou um golpe de estado gastronómico.

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